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O leilão do prédio que abriga o Arquivo Público do Estado da Bahia (Apeb), na Baixa de Quintas, em Salvador, foi suspenso após decisão judicial. O evento aconteceria até as 10h desta terça-feira (9).

Na decisão proferida às 21h46 desta segunda (08), o juiz George Alves de Assis, da 3ª Vara Cível de Salvador, acolhe a manifestação do Ministério Público da Bahia (MP) sobre o risco que o patrimônio histórico e cultural está submetido com a ação do leilão, sem que haja um plano para preservar e remover o acervo contido no imóvel.

“Com efeito, não bastasse o prédio, tombado desde o ano de 1949, já traduzir, por si só, marca histórica de notável expressão para o Estado da Bahia, sua alienação sem que seja observado um plano efetivo de salvaguarda e remoção do seu acervo tem o condão de impor sério abalo ao patrimônio cultural baiano, o que não pode ser admitido”, declarou o magistrado. “Afinal, o risco de desvio, ou mesmo de simples perda do acervo, não pode ser descartado.”

Veja a decisão na íntegra:

Mesmo com a suspensão do leilão, a alienação ou transferência do imóvel, avaliado em R$ 12.575.829,62, foi mantida.

O juiz ainda acolheu o pedido do MP-BA para determinar que a Fundação Pedro Calmon, gestora da Apeb, apresente um plano de salvaguarda e remoção do acervo em um prazo de 60 dias.

Governo se manifesta

A Procuradoria Geral do Estado da Bahia (PGE-BA) afirmou que o leilão do imóvel Quinta do Tanque, que inclui o prédio onde fica o Arquivo Público do Estado da Bahia (Apeb), é promovido por ordem judicial e não pelo Estado.

O local é um dos itens que está penhorado em um processo judicial contra a antiga Bahiatursa (Empresa de Turismo da Bahia S.A.). Segundo a nota da PGE, trata-se de ação ordinária movida pela a TGF Arquitetura Ltda ajuizada em 1990, em curso na 3ª Vara Cível da Capital, contra a Bahiatursa. A empresa de arquitetura buscava receber indenização por serviços que teriam sido prestados na elaboração de projetos.

Na época, a Bahiatursa alegou a inexistência de contratação e que os referidos projetos tinham sido apresentados espontaneamente. Um acordo entre as partes foi feito em 1991, mas não teria sido cumprido, conforme alegou a TGF. Em 2005, a Bahiatursa ofereceu à penhora o imóvel Quinta do Tanque, de sua propriedade.

Com a extinção da Bahiatursa em 2014, suas funções foram assumidas pela Secretaria de Turismo e o Estado da Bahia ingressou na ação da dívida, representado pela Procuradoria Geral do Estado.

A nota diz que, "desde então, o Estado da Bahia, via PGE, tem apresentado sucessivas manifestações no processo no sentido de preservar o patrimônio público, sem lograr êxito. A empresa autora da ação solicitou o leilão do bem, que foi deferido pelo Juízo, tendo o Estado apresentado medidas judiciais visando evitar a sua realização. Portanto, o leilão não é promovido pelo Estado, mas por ordem judicial".

O comunicado ainda lamenta que, por "sucessivos erros", a alegada falta de pagamento de esboços de projetos tenham se transformado em "uma ação milionária". "O Estado da Bahia, por decisão expressa do Governador Rui Costa, irmanado na indignação manifestada por instituições oficiais e da sociedade civil, adotará todas as medidas para que o imóvel, de inestimável valor histórico e cultural, retorne ao patrimônio público em propriedade plena, sem ônus algum", finaliza a nota.

Publicado em Justiça

Reduto de pesquisadores baianos e considerada patrimônio nacional desde 1949, a residência onde fica o Arquivo Público do Estado da Bahia (Apeb), localizado na Baixa de Quintas, está entre os itens leiloados numa casa de leilões. Os lances podem ser feitos até as 10h da próxima terça-feira (9). O imóvel está penhorado em um processo judicial que cobra dívidas da extinta Bahiatursa, transformada em Superintendência de Fomento ao Turismo do Estado da Bahia, há sete anos.

O lance inicial é de R$ 5 milhões, mas o imóvel é avaliado em R$ 12.575.829,62, segundo o site da casa de leilões. O leilão será realizado de forma online. O imóvel, chamado de Solar da Quinta dos Padres ou Quinta do Tanque, é tombado pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 1949. Desde 1980, o Apeb está sediado no endereço. Os funcionários do Arquivo foram pegos de surpresa.

A notícia do leilão logo provocou uma enxurrada de notas de repúdio emitidas por entidades de arquitetos e arquivistas ligados ao patrimônio e à Universidade Federal da Bahia (Ufba). O presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo da Bahia (CAU), Neilton Dórea, afirmou que "a edificação é tombada e não pode ser vendida nem ter outro tipo de mudança, só para outro ente federal, estadual ou municipal". O Instituto de Arquitetos do Brasil, departamento da Bahia, e o Instituto de Ciência da Informação da Ufba também repudiaram a venda.

"É impressionante o descuido e desrespeito com o patrimônio público. Não abrem diálogo com a sociedade", afirma Dórea.

A legislação proíbe a venda de prédios tombados, exceto se forem repassados para outros órgãos públicos. A reportagem tentou contato com o Governo da Bahia e o Iphan, que não retornaram até o momento. A Superintendência de Fomento ao Turismo do Estado da Bahia afirmou que não cabia ao órgão se posicionar sobre a venda.

A Faculdade de Arquitetura da Ufba (FAUFBA), o Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da universidade (PPG-AU) e o Mestrado em Conservação e Restauração de Monumentos e Sítios Históricos se posicionaram contra a venda do edifício e pediram suspensão imediata do leilão.

A Associação dos Arquivistas da Bahia (AABA) informou que "tem buscado ajuda junto a outras entidades" para evitar, judicialmente, o leilão.

A Associação Nacional de História - Seção Bahia (ANPUH/BA) manifestou indignação com o leilão e pediu sua suspensão imediata.

"Mais um resultado do desinteresse pelo bem público, histórico e cultural, que não surpreende aqueles que observam o padrão de atuação do atual governo do Estado nessa área, mas que não deixa de nos causar revolta", diz nota.

De casa de repouso a acervo
O prédio foi construído no século 16 para ser a residência de padres jesuítas - por isso ele é conhecido como Solar da Quinta dos Padres ou Quinta do Tanque. Lá, o padre Antônio Vieira escreveu muitos dos seus sermões. Depois de servir de casa de repouso para os jesuítas, o Solar passou por obras no século 18, que o transformaram em um centro onde eram confinadas pessoas com hanseníase. No século 19, o prédio passou por novas reformas.

Só em 1980, o Arquivo Público passou a funcionar no imóvel. Pouco a pouco, tornou-se a meca dos pesquisadores baianos. Um deles é Vilson Caetano, antropólogo e professor da Ufba, que diz ter uma "relação visceral" com o Arquivo, sua "segunda casa".

Conforme adquiria experiência pelos corredores do Arquivo, Vilson aprendeu que o lugar tinha sua própria linguagem geográfica. Os pesquisadores costumam chamar as divisões do Arquivo de "fundos". Vilson vivia no "Fundo da República, ou seja, na documentação após 1889".

"Para nós, que trabalhamos com memória, o Arquivo é esse lugar privilegiado que deve ser preservado e cuidado", diz Vilson.

O Apeb é a segunda maior instituição arquivística do país e está entre as maiores do mundo. Ele armazena uma gama de documentos que, se organizados de maneira linear no chão, formariam um caminho de sete quilômetros.

Entre os 40 milhões de documentos dos acervos, há destaque para os manuscritos e impressos originais, produzidos, recebidos e acumulados quando a cidade de Salvador se distinguiu por ser a capital político-administrativa do Estado do Brasil, de 1549 a 1763. O Apeb ficou fechado para reformas desde janeiro de 2019 e foi reaberto em novembro do ano passado.

Publicado em Bahia