Quinta, 07 Novembro 2024 | Login

Com a taxa de desemprego em alta na Bahia – fechou em 14,7% no primeiro trimestre deste ano, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) – os baianos têm enfrentado problemas na hora de pagar as contas do lugar onde moram. Houve um crescimento de 79% no número de ações movidas na Justiça por falta de pagamento em condomínios, entre janeiro e junho de 2021, na comparação com o mesmo período do ano passado.

Nos primeiros seis meses de 2020 foram 217 processos. Já em 2021, no mesmo período, 390. De abril para maio deste ano, eles saltaram de 45 para 80 - aumento de 77%. Já de maio para junho, houve alta de 31%. O mês junino foi o que registrou maior quantidade de ações - 105. O levantamento foi feito pelo CORREIO com dados do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA).

Para o presidente do Sindicato de Habitação da Bahia (Secovi-BA), Kelsor Fernandes, a inadimplência das taxas condominiais, que já existiam, foi agravada com a pandemia.

“Infelizmente, é um problema crônico, as pessoas não têm consciência que a cota de condomínio é uma obrigação que deve estar nos primeiros lugares do orçamento. Além disso, estamos dentro de uma pandemia, em que muita gente perdeu o emprego ou teve queda de renda. Então, provavelmente, a primeira coisa a fazer é cortar o condomínio”, avalia.

Segundo ele, os devedores não deixam ao síndico outra saída. “Chega o momento que, depois de cobrar tanto uma posição, o síndico não tem outra saída, tem que apelar para a Justiça. A partir do momento que os inadimplentes são notificados, eles têm três dias para pagar, se não, o imóvel pode ir a leilão, ou ele indica bens para penhora”, alerta Fernandes.

O presidente do Secovi-BA orienta ainda que os responsáveis pelo pagamento do condomínio são os proprietários. A ação judicial pode ser encaminhada à Justiça no dia seguinte após a constatação da inadimplência. Contudo, costuma-se aguardar por até três meses para que a situação seja regularizada.

“Normalmente, os síndicos esperam de 60 a 90 dias, no máximo 120 dias para entrar com a ação. Se não for pago, tem que entrar com a ação para evitar ao máximo um acúmulo maior da dívida e virar uma bola de neve, inviabilizando a administração e penalizando quem está pagando em dia”, conclui Fernandes.

Efeito pandemia
A sócia-diretora da Otimize, uma empresa de administração de condomínios que existe há 26 anos, Carla Costa, revela que, dentre seus clientes, a inadimplência aumentou. Em julho de 2020, a porcentagem daqueles que deviam era de 9,93%. Um ano depois, passou para 12,04%.

“Esse ano, a inadimplência aumentou mais que ano passado. Logo quando iniciou a pandemia, os síndicos ficaram receosos de que as pessoas não iriam pagar, mas isso não aconteceu, elas continuaram pagando. Mas, esse ano, algumas pessoas que não costumavam atrasar, começaram a ficar devendo, até pela permanência da pandemia”, relata.

São 160 clientes que contratam o serviço da empresa, todos de classe média e alta, de bairros como Pituba, Itaigara, Caminho das Árvores, Alphaville, Patamares, Graça e Barra. “Tem aqueles que passaram a atrasar dois meses, e depois pagam, mas tem aqueles que realmente não pagam. Algumas negociações duram mais de seis meses e continuamos trabalhando da mesma maneira, fazendo a cobrança por carta, e-mail e reforçando por telefone”, conta Carla.

Negociação
No condomínio Villa de Capri, na Vasco da Gama, três dos 180 condôminos estão em dívida. O valor da taxa aumentou de R$ 390 para R$ 460 em junho de 2021, já inclusos água e gás. Porém, segundo a administradora do prédio, Simone Miranda, há sempre espaço para negociação. “Ficamos dois anos sem conseguir reajustar a taxa e conseguimos fazer acordos com alguns moradores que estavam pendentes, então deu uma melhorada”, explica.

Simone diz que só considera inadimplente aquele morador que deixa de pagar a taxa por, pelo menos, três meses:

“A situação não tá boa para ninguém, então a gente tem que ter esse jogo de cintura. A pessoa não paga um mês, mas paga os dois no mês seguinte, a gente faz acordo para dividir em parcelas e, quando fica devendo três meses, aí chama para conversar, relatar o que está passando. Sempre optamos por essa negociação amigável”, afirma Simone.

Alguns proprietários, para facilitar, também reduziram o valor do aluguel. “Eles não querem perder o bom inquilino e reduziram de R$ 2 mil para R$ 1,5 mil, alguns, para equilibrarem as contas”, acrescenta. Há três, contudo, que tiveram as dívidas ajuizadas – variam de R$ 7 a R$ 20 mil.

No prédio que Carlos Oliveira administra, o Porto São Vicente, no Itaigara, os atrasos já são considerados normais. “É muito difícil, hoje, ter algum condomínio que não exista um inadimplente. Aqui tem 56 moradores e tem apartamento que, às vezes, não paga, mas no mês seguinte paga os dois. Sempre tem e parece até que é normal”, diz. Existem dois processos judiciais no prédio, mas de antes da pandemia.

Perto dali, na Mansão Niccolo Paganini, também no Itaigara, o administrador Feliciano Almeida comemora que todas as contas dos inquilinos estão em dia. “O povo aqui paga direitinho. Ou eu faço terrorismo”, brinca. Também são 56 unidades, e o custo mensal com o condomínio é R$ 1 mil. A partir de dos próximos meses, haverá taxa extra de R$ 300 para uma reforma.

O bancário Thiago Figueiredo ficou sem pagar condomínio por três meses, mas por esquecimento, já que a situação econômica na pandemia não apertou para ele. O bancário paga, mensalmente, R$ 1.334 pelos condomínios dos quatro imóveis.

“Tenho duas salas e dois imóveis residenciais para alugar, como uma forma de renda futura. Então pago quatro condomínios, nenhum tem débito automático. Facilitaria muito se tivesse. Então, algum mês, acabo não percebendo que não paguei algum condomínio, é muita conta para pagar, não tem como não esquecer um”, esclarece Figueiredo.

Atraso também no aluguel
Não é só a taxa de condomínio que os baianos têm tido dificuldade de pagar, mas também o aluguel. Uma das salas que o bancário Thiago Figueiredo aluga, por exemplo, está 11 meses com o pagamento atrasado.

“A inquilina vai dividir em 36 vezes e vou dar um bom desconto pra ela. Ela é massoterapeuta, tem tido pouco serviço. Não conseguiu ganhar o suficiente para pagar o aluguel”, conta.

A segunda sala, o inquilino devolveu, assim como o outro apartamento. “Ele entregou no início da pandemia e foi morar de favor. Ele tinha caminhão para fazer mudança, frete. Tinha pouco serviço e não estava conseguindo pagar o aluguel”, acrescenta.

Para Dermivalda Xavier, que está desempregada há dois anos, todo mês é uma dificuldade pagar os R$ 500 da casa onde mora, na Federação. “Arrumei uns bicos e paguei as prestações que devia, agora estou pagado atrasado, mas estou pagando. Agora mesmo vence dia 15 e só vou pagar dia 1º, que é quando junto dinheiro”, relata.

“O problema é o psicológico da pessoa, que fica imaginando: ‘Se eu não arrumar bico suficiente para arrumar o dinheiro, me ferro’”, conta.

Dermivalda mora com o namorado, que ajuda nas compras. “Mesmo assim, não é suficiente, porque R$300 de feira não dá para o mês todo”, completa.

O melhor é negociar a dívida, afirma advogada
A advogada Lizandra Colossi, do escritório Colossi Oliveira Advogados Associados, especialista em direito imobiliário e de família, orienta que o melhor a se fazer é tentar não levar a situação para a Justiça, devido ao tempo que isso pode levar. “No melhor dos mundos, uma ação de condomínio no juizado pode levar, no mínimo, oito meses a um ano, levando em conta que podem haver vários embargos e recursos. E o condomínio que está precisando quitar a folha de pagamentos, precisa do dinheiro logo”, defende Lizandra.

A advogada argumenta que as decisões extrajudiciais podem ser mais prósperas, pois há diálogo entre ambas as partes.

“Na negociação e na mediação, você que vai dando as opções e dita as regras. A pessoa é livre e no Judiciário não existe isso. Esse é o grande atrativo do consenso, você que determina as cláusulas”, acrescenta.

O primeiro passo para saber negociar, seja o aluguel ou a taxa de condomínio, é ter flexibilidade. “O importante, em uma negociação, é não ter posições fixas, seladas, porque, senão, não se chega a um acordo, é preciso querer chegar em um meio-termo”, diz.

O segundo passo é ter interesse, o que segundo ela, há dos dois lados. “Todo mundo tem algum interesse na mesa, seja em receber, para pagar a folha de funcionários, e o inquilino, porque, se ela não fizer acordo, a dívida vai aumentar e pode chegar na Justiça”, explica.

Por fim, é também preciso ter boa fé. “Quando você percebe que a pessoa está enrolando e fica fazendo teatrinho, é melhor que nem vá para o consenso”, pondera.

A especialista ainda acrescenta que a convenção para se cobrar débitos é de 15 dias, mas que isso pode variar em cada condomínio. Por isso, ela diz que é preciso saber quais as convenções e normas estabelecidas, que funcionam como a constituição do edifício. Os principais meios de cobrar são por carta, e-mail e telefone.

Número de ações judiciais em condomínios
Fonte: TJ-BA

2020:
Janeiro - 32
Fevereiro - 34
Março - 81
Abril - 14
Maio - 13
Junho - 43

2021:
Janeiro - 44
Fevereiro - 53
Março - 63
Abril - 45
Maio - 80
Junho - 105

Publicado em Justiça