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Os recenseadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Ibge) precisam enfrentar uma verdadeira empreitada para conseguir acessar os moradores do Condomínio Salvador Prime, no Caminho das Árvores. Uma sala chegou a ser reservada para que os agentes do Censo realizassem entrevistas, mas as respostas só ganharam volume quando uma carta sobre a multa em caso de recusa foi enviada aos apartamentos. Salvador possui 15 bairros em que mais de 5% dos residentes não responderam a pesquisa, o que pode inviabilizar a divulgação de dados detalhados do Censo Demográfico de 2022.

Para que as informações coletadas pelo Ibge retratem bem a realidade, é preciso que pelo menos 95% dos residentes de uma determinada região respondam ao questionário. A situação é mais crítica nos bairros do Comércio e Caminho das Árvores, onde o percentual de residentes que participaram é de 82% e 84% respectivamente. Se as 715 entrevistas que restam nesses locais não forem feitas até o dia 28 deste mês, é possível que a primeira divulgação oficial sobre os bairros de Salvador não seja realizada.

“Salvador não tinha legislação sobre os bairros no último Censo, em 2010 [...] Estamos nos dedicando muito nesses dois bairros para não correr o risco de termos um dado de baixa qualidade ou que, de repente, o Ibge avalie que se não é possível divulgar as informações sobre todos os bairros, é melhor não divulgar para nenhum”, afirma André Urpia, superintendente do IBGE na Bahia. Segundo ele, a situação dos outros 13 não é tão crítica como a dos bairros já citados.

O Censo Demográfico permite que se tenha um retrato detalhado da população, o que deve ser utilizado para a criação e implementação de políticas públicas assertivas. Quando o Ibge não consegue realizar a entrevista em uma residência, faz um processo chamado de imputação - que consiste na suposição de dados para um domicílio a partir da média de um setor censitário.

“A imputação não tem o impacto de inviabilizar dados gerais, como a população de Salvador, por exemplo. Mas, quanto mais precisamos imputar, menos preciso é o dado, o que pode impactar nas informações detalhadas sobre bairros e aglomerados subnormais” explica Mariana Viveiros, que coordena a divulgação do Censo 2022 na Bahia.

São exemplos de informações detalhadas: trabalho e rendimento, deficiência, migração, deslocamento para trabalhar ou estudar e dados sobre a educação. A previsão original era de encerrar as entrevistas em outubro de 2022 no país, mas o fim da pesquisa foi adiado diante das resistências e dificuldades em contratar recenseadores.

Empecilhos
Nas três torres do Salvador Prime, localizado na Av. Tancredo Neves, a coleta começou em novembro e cerca de 600 apartamentos ainda não foram recenseados. Esse é um dos condomínios em que os agentes do Censo foram proibidos de interfonar e abordar moradores.

A administradora também se recusou a colocar o informativo oficial do Ibge em que aparece a foto e identificação dos recenseadores responsável pela região em um local visível. Já a justificativa para a decisão de não interfonar para os moradores foi porque a atitude poderia ser considerada uma “violação à intimidade”.

A alternativa criada pela administradora do Salvador Prime, já que não era permitido a abordagem direta dos condôminos, foi colocar os recenseadores em uma sala de reunião. O problema é que boa parte dos moradores não foram avisados disso e, em cinco meses, apenas 37 entrevistas foram realizadas. A pesquisa só começou a acelerar quando uma carta com a Lei 5.534/1968 - que estipula multa de até dez salários mínimos (cerca de R$13 mil) para quem não responder ao Censo - foi enviada aos domicílios no início de abril.

A carta também tem o contato de Margarete Machado, a agente censitária municipal (ACM) atualmente responsável por recensear uma das torres do Salvador Prime. Desde o envio das cartas, ela realizou 35 entrevistas - quase a mesma quantidade que os colegas fizeram em cinco meses. Margarete, na verdade, trabalha no posto de coleta e não foi contratada como recenseadora, que é quem realiza a pesquisa de campo.

“Diversos moradores que entraram em contato comigo disseram que não sabiam que os recenseadores estavam no prédio”, revela

Procurado, o setor jurídico do Salvador Prime negou que tenha dificultado o trabalho dos recenseadores e afirmou que não pode ser responsabilizado pela “falta de vontade de seus moradores em participar da pesquisa”. “O Condomínio auxiliou em tudo que foi possível, comunicou a todos os condôminos e disponibilizou uma sala para os atendimentos, todavia as pessoas não se interessaram e não desceram”, pontua. O Salvador Prime justifica ainda que seria inviável disponibilizar o interfone para interfonar para as 1.196 unidades residenciais.

As dificuldades em conseguir respostas em residências de alto padrão, seja por burocracias dos condomínios ou resistência dos moradores, não é exclusividade de Salvador. No dia 18 de abril, o Ibge promoveu uma ação de conscientização em áreas nobres de cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Cuiabá. O presidente interino do Instituto, Cimar Azevedo afirmou, em entrevista ao UOL, que a rejeição de recenseadores chega a 30% em condomínios no Rio de Janeiro, enquanto a média nacional de entrevistas sem respostas é de 5%

As localidades em que mais de 5% dos residentes não responderam a pesquisa representam 8,8% dos 170 bairros da capital baiana. Entre elas estão: Piatã, Patamares, Fazenda Grande II, Areia Branca e Mussurunga. Diante do cenário, Salvador ainda se encontra no grupo de 25 municípios baianos que ainda estão na fase de apuração do Censo 2022. Cidades como Porto Seguro, Santo Antônio de Jesus, Itabuna e Ilhéus também estão nesse estágio.

Beira mar
Do outro lado da cidade, na Avenida Lafayete Coutinho, o drama se repete. A administradora do Porto Trapiche Residence, condomínio de luxo localizado em frente à orla, não autorizou a colocação do informativo sobre o Censo e nem ajudou os recenseadores na missão de falar com moradores. Os agentes só foram autorizados a ficar na recepção, mas como o local também abriga lojas, é quase impossível identificar quem é visitante ou não. Lá ainda restam 40 apartamentos a serem recenseados.

Assim como aconteceu no Salvador Prime, o trabalho dos recenseadores ficou inviável e a supervisora Maria Beatriz Carvalho, 24, precisou ser realocada. A administradora levou duas semanas apenas para autorizar sua presença na recepção do edifício. Através da abordagem direta, Maria Beatriz entrevistou apenas quatro moradores. Quando o Ibge enviou a carta contendo informações sobre a multa, seis residentes entraram em contato com a supervisora.

“Geralmente, a gente imagina que em locais onde as pessoas não entendem muito bem seria mais difícil do que onde tem pessoas mais estudadas. Eu fico chateada porque eles sabem da importância do Censo e não respondem porque não querem”, desabafa. Maria Beatriz conta que moradores se recusaram a fazer a entrevista mesmo ela se colocando à disposição aos finais de semana, presencialmente ou por telefone.

Em nota, o Porto Trapiche afirmou que jamais dificultou o trabalho de qualquer órgão público. “[A] eventual ausência do morador em seu apartamento, impossibilitando o trabalho do IBGE não é de responsabilidade do condomínio”, justificou.

Moradores de condomínios citados na reportagem ou de outros que não tiveram os dados coletados, podem ligar para 0800 721 8181 ou discar 137 e solicitar que um recenseador vá ao local. Nessa etapa, também é possível responder as perguntas por telefone.

Recusa impacta na remuneração
Os recenseadores são remunerados de acordo com o número de entrevistas que realizam e, como a pesquisa não andava no Salvador Prime, ficou inviável mantê-los por lá. Por isso, Margarete Machado, que recebe remuneração fixa como agente censitária municipal, foi realocada para o condomínio. Inicialmente, ela acreditava que fazer a pesquisa em bairros periféricos seria difícil, mas se surpreendeu com a resistência dos moradores de condomínios de alto padrão.

“Todo mundo sempre falou que o problema seriam os aglomerados [denominação do Ibge para comunidades] porque as pessoas têm menos informações. Mas a gente enfrenta mais resistência em condomínios”, conta Margarete Machado

Em Saramandaia, por exemplo, a pesquisa chegou a ser interrompida mais de uma vez por conta de conflitos armados e, mesmo assim, realizar as entrevistas na localidade foi mais fácil, segundo ela.

O tratamento dado aos recenseadores não é igual em todos os condomínios. Quando a administração ou o síndico dá suporte aos agentes, a pesquisa deslancha rapidamente. No condomínio Mandarim, localizado em frente ao Salvador Shopping, por exemplo, 95% dos moradores já haviam respondido ao Censo em fevereiro. Lá, os recenseadores puderam colar informativos e interfonar para os moradores.

Desistências de recenseadores e falta de verba dificultaram a coleta
O atraso para a finalização do Censo Demográfico foi resultado de uma série de fatores para além da resistência de condomínios e condôminos. Entre eles, está a desistência dos recenseadores. Em setembro do ano passado, eles chegaram a decretar greve nacional com o objetivo de pleitear por melhorias nas condições de trabalho e salário.

Na Bahia, foram disponibilizadas 12.485 vagas para recenseador, mas 13.877 pessoas passaram por esses postos. Isso significa que mais 1,3 mil pessoas tiveram que ser treinadas e admitidas.

“Tivemos dificuldades em contratar e permanecer com o pessoal. O planejamento foi feito de forma distanciada da execução, o que tornou os valores previstos para os recenseadores desinteressantes e perdemos muitos deles logo no início”, ressalta o superintendente do IBGE André Urpia

O orçamento destinado ao Censo também foi motivo de atraso. A pesquisa deveria ser feita em 2020, dez anos após a realização da última, mas as verbas que seriam utilizadas foram destinadas para o combate à pandemia. No ano seguinte, o levantamento foi suspenso por falta de recursos. Dos R$3,4 bilhões necessários, foram aprovados R$2 bilhões.

Íntegra dos posicionamento dos condomínios citados na reportagem:

Salvador Prime: É necessário esclarecer a verdade dos fatos. O IBGE tenta, a todo tempo, transferir a ausência de estrutura e apoio do Estado para a administração do Condomínio, que em nada pode ser responsabilidade pela falta de vontade dos seus moradores em participar da pesquisa.

As informações prestadas pelo IBGE não são verídicas, o Condomínio auxiliou em tudo que foi possível, comunicou a todos os condôminos e disponibilizou uma sala para os atendimentos, todavia as pessoas não se interessaram e não desceram, fato que a Administração nada tem a fazer.

Quanto a solicitação de interfonar para as unidades, tal expediente é muito dificultoso quando se observa uma realidade de 1.196 unidades residenciais.

Não há como indisponibilizar o interfone por tanto tempo e nem o condomínio tem pessoal suficiente para destacar para tal tarefa.

A informação dada pelos prepostos do IBGE não é verdadeira e não deve ser veiculada, o que precisa ser feito é uma campanha de conscientização promovida pelo poder público para obtenção de maior adesão dos cidadãos. Não há como se transferir para a estrutura do Condomínio o dever/encargo de motivar os seus moradores a participarem da pesquisa. O IBGE deve se modernizar e utilizar as ferramentas do Estado para a promoção da pesquisa, não tendo o condomínio Edilício meios de substituir a função Estatal.

O Condomínio Salvador Prime atuou com presteza e apoio dentro das suas possibilidades e vem sendo insistentemente importunado e culpado pela baica adesão dos seus condôminos.

Informe que dentro daquilo que for possível atender será atendido sempre, contudo não será tolerada qualquer imputação de fato inverídico ou veiculação de inverdades sobre a atuação da administração.

Porto Trapiche Residence: O condomínio Porto Trapiche ressalta que jamais dificultou ou dificultará o trabalho de qualquer órgão público. Informa ainda que eventual ausência do morador em seu apartamento, impossibilitando o trabalho do IBGE não é de responsabilidade do condomínio. Por fim, o condomínio mais uma vez se coloca à disposição do órgão.

Publicado em Bahia

O ex-presidente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Roberto Olinto, questionou a credibilidade dos dados preliminares do Censo Demográfico de 2022. Para ele, a publicação expõe a “tragédia absoluta” que se abateu sobre a pesquisa. A declaração foi dada durante entrevista ao jornal Folha de S. Paulo.

Olinto defende a realização de uma ampla auditoria dos dados para verificar se eles são válidos, se é preciso realizar um trabalho adicional ou, em caso extremo, se é o caso de elaborar um novo Censo.

“Por que tem que auditar? Porque esses dados não são confiáveis. Teve todos esses problemas, e uma coleta de seis meses é tudo que a demografia reclama. Não pode ser assim”, diz.

Hoje pesquisador associado do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), Olinto presidiu o IBGE entre junho de 2017 e dezembro de 2018.

Antes, foi diretor de pesquisas do órgão e coordenador da área de contas nacionais, responsável pelo cálculo do PIB (Produto Interno Bruto) do país.

Publicado em Brasil

Desempregado desde outubro, o estudante universitário Erisson Santana, 25 anos, vê o Censo Demográfico 2022 do IBGE como uma das principais oportunidades de obter renda em 2022. Isso porque, só na Bahia, o Censo vai gerar 14.290 vagas de emprego temporário, sendo 12.485 para recenseadores e 1.805 para agentes censitários.

Apenas na capital baiana, 2.936 postos de trabalho serão ocupados para a pesquisa, que vai selecionar os profissionais através de uma prova que teve o edital publicado nesta quarta-feira (15), no Diário Oficial da União, e tem inscrições abertas até às 16h de 29 de dezembro deste ano no site da FGV Conhecimento.

Antes deste edital, o IBGE já tinha aberto dois processos seletivos, que foram cancelados, devido a adiamentos do censo. O primeiro cancelamento foi em março de 2020 e o segundo, em outubro deste ano.

Oportunidade de renda

Erisson se inscreveu nos dois e se decepcionou quando soube do cancelamento. No entanto, não desistiu e fará a inscrição novamente para ter a chance de obter um emprego, mesmo que temporário.

"O desemprego está grande e é uma boa oportunidade de renda, mesmo que não seja algo duradouro. Tô sem trabalho desde que pararam de aferir a temperatura nos shoppings. Por isso, vou fazer duas provas: pra recenseador e pra agente censitário", conta ele, que quer maximizar suas chances.

O empenho em garantir mais possibilidades de conseguir a aprovação se dá pelo fato de que, com o salário pago pelo Censo, ele poderia se manter em Salvador. "Estou esperando há um tempo com atenção porque o dinheiro que posso receber trabalhando para o IBGE vai ajudar a me manter aqui na cidade estudando, seria essencial pra mim", fala.

Assim como para Erisson, uma vaga entre as pessoas que farão o censo acontecer seria importante financeiramente para Walysson Nazaré, 21, estudante de artes cênicas, como ele mesmo conta. "Como eu tô sem emprego, se eu conseguisse ser aprovado, ia ser muito bom pra mim. Representaria um avanço imenso e acho que seria fantástico", diz o estudante.

No entanto, para ele, a principal razão para se inscrever está na possibilidade de trabalhar diretamente com pessoas e aprender com isto.

"A minha meta é fazer muitos concursos, adquirir experiências e aprender com isso. Além disso, quando se fala em IBGE, me remete a trabalho com pessoas em pesquisa, o que me agrada muito. São esses os principais motivos para fazer a inscrição’, explica Walysson.

Como se preparar

Para quem quiser ser agente censitário no Censo, é preciso fazer a prova que é objetiva, tem caráter classificatório e eliminatório e não tem redação. Ao todo, dez perguntas de língua portuguesa, dez de raciocínio lógico, 15 de noções de administração e situações gerenciais, 20 de conhecimentos técnicos e cinco questões de ética no serviço público

Professor de língua portuguesa, Luís Alberto afirma que é preciso estar atento a como a Fundação Getúlio Vargas, responsável pela prova, costuma aplicar provas, Ainda segundo ele, é necessário refazer questões antigas comentadas para fixar os assuntos mais prováveis.

“É uma tática interessante para estar em dia com temas da gramática padrão como a pontuação, tempos e modos verbais, morfossintaxe, regência nominal e verbal, emprego da crase, colocação pronominal e outros assuntos dentro da gramática”, afirma ele, dizendo que a parte gramatical é o que mais cai, com menos questões interpretação de texto.

Já para os candidatos que vão atrás de uma vaga como recenseador, farão a prova no mesmo formato, só que com dez questões de língua portuguesa, dez de matemática, 25 de conhecimentos técnicos e cinco sobre ética no serviço público.

De acordo com Joangelo Souza, o conhecimento matemático cobrado neste tipo de prova remete ao que foi estudado no fim do Ensino Fundamental II e no início do Ensino Médio das escolas brasileiras.

"É um conteúdo mais genérico como lógica, estatística, probabilidade, porcentagem e regra de 3. Geralmente, são esses os principais assuntos que necessitam de uma rotina de estudos frequente para serem dominados", orienta ele, que já foi recenseador em 2011 e conhece a prova.

Carga horária e salários

Os recenseadores, que são os responsáveis pela aplicação do questionário do Censo nos domicílios, terão salário variável de acordo com a produção. A carga horária semanal recomendável é de 25 horas. A taxa de inscrição para a prova custa R$ 57,50. Os agentes censitários supervisionam o trabalho dos recenseadores. Eles têm a carga horária semanal de 40 horas e salário de R$ 1.700.

Já os agentes censitários municipais têm, entre suas atribuições, garantir a cobertura de sua área territorial, o cumprimento dos prazos e a qualidade das informações coletadas. A carga horária é de 40 horas e o salário, de R$ 2.100. O valor da taxa de inscrição para ambos os cargos é de R$ 60,50.

Publicado em Bahia