Só resta uma cidade na Bahia sem mortes por covid; entenda por que lugar é 'blindado'
Cravolândia, pequeno município do Vale do Jiquiriçá, era famosa até antes da pandemia por levar o nome da família Cravo. A cidade foi fundada em 1962 por Mário Cravo, pai do escultor Mário Cravo Junior. Com a covid-19, ‘a terra dos Cravos’ agora também entrou para a história baiana por outro motivo: é a única no estado que não registrou mortes pela infecção provocada pelo novo coronavírus.
“A gente vem lutando dia a dia para permanecer assim. Quando tem um paciente se agravando, não deixamos ficar em casa. Levamos logo para o hospital, damos todo o cuidado, fazemos raio-x, regulamos... Queremos agora acelerar a vacinação. Já aplicamos a primeira dose em todos os idosos e entramos na terceira fase, mas precisamos de mais vacinas”, diz a secretária de Saúde da cidade, Ednalva de Oliveira Mendes.
Segundo os dados da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), a cidade de Ibiassucê, no centro-sul do estado, também não registrou mortes por covid-19. Mas, no boletim do próprio município constam dois óbitos pela doença.
Washington Rocha, professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) e membro do Portal Geocovid-19, diz que é surpreendente a Bahia ter ainda uma cidade sem registro de mortes por covid-19 mais de um ano após o início da pandemia. “Eu esperaria isso acontecer em locais que tem isolamento geográfico, o que não parece ser o caso de Cravolândia”, diz.
Cortado por duas rodovias estaduais, a BA-550 e a BA-120, o município faz divisa com Santa Inês, Ubaíra, Itaquara e Wenceslau Guimarães,cidades que tem muitos casos e mortes por covid-19 registrados.
“Cravolândia tem um perfil peculiar, principalmente quando a gente olha que os municípios ao redor não possuem esse padrão. A cidade não está numa região que tem um vazio e sim uma vizinhança agitada em termos de casos e mortes”, acrescenta Washington.
Evolução da doença
Por causa do avanço progressivo da covid-19 no estado, no início deste ano a Bahia tinha apenas 20 cidades sem registro de mortes. Um mês depois, em fevereiro, o número já tinha caído para sete. No início de março, eram apenas três: Tanque Novo, Catolândia e Cravolândia. No dia 28, Tanque Novo registrou a primeira morte e, em pouco mais de 15 dias, saltou para quatro óbitos. Catolândia registrou o primeiro óbito na última quinta-feira (8).
Cravolândia registrou o primeiro caso da doença em 07 de abril de 2020 - um comerciante que viajou para Salvador e voltou contaminado -, mas para evitar que o vírus se espalhasse, a secretária Ednalva explica que foi logo adotado isolamento dos contaminados e controle de acesso ao município com quatro barreiras sanitárias.
Duas das barreiras foram fechadas em novembro de 2020. Logo depois, os casos na cidade começaram a aumentar, segundo o professor Washington Rocha. “As ações que eles dizem ter feitos funcionam. Mas é interessante observar que, logo no início de dezembro, após duas barreiras terem sido fechadas, começa a aumentar os casos”, diz.
As outras duas barreiras funcionam até hoje e servem para controlar a entrada de pessoas na sede do município, que tem cerca de 3 mil habitantes, segundo a prefeitura. Cravolândia tem ainda uma extensa zona rural dividida em 14 povoados. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são 5,4 mil habitantes.
“É uma cidade pequena, aconchegante e tranquila. Não tem violência. Na zona rural as pessoas não viajam muito. Os casos que temos são, geralmente, de pessoas de fora que vão visitar parentes. Se a população não recebesse visita, a gente não precisaria se preocupar. Não é à toa que os casos aumentam após um período de festa. Agora mesmo teve Semana Santa e muita gente de fora veio visitar familiares”, lamenta a secretária.
Aumento de casos
A consequência dessas visitas já pode ser observada nos números do boletim epidemiológico municipal de Cravolândia. Atualmente, a cidade enfrenta seu período de maior alta de casos de covid desde o início da pandemia. Em 29 de março desse ano, o município tinha apenas dois casos ativos e 150 confirmados, no total. Em 15 dias, o número de doentes foi aumentando progressivamente até chegar, nessa segunda-feira (12), em 178 casos confirmados e 22 ativos.
“Que eu me lembre nunca tivemos tantos casos positivos de uma só vez. E para o tamanho da cidade, isso assusta muito, pois a gente conhece quem está contaminado, as vezes são pessoas próximas. Ficamos com medo”, relata a paulista Rose Argolo, que há 15 anos escolheu Cravolândia como sua cidade.
Segundo a secretária de Saúde, esse aumento repentino é também coincidente com o aumento de testagem feito nos profissionais da secretaria de educação da prefeitura. “Desde dezembro estamos testando os profissionais da saúde e há duas semanas fizemos a testagem dos da educação. As pessoas que testam positivo ficam em isolamento e fazemos desinfecção da pasta, o que evita novos contaminados”, explica.
Dos 178 casos confirmados, apenas quatro pessoas precisaram de assistência hospitalar fora do município. “Mas Graças a Deus ninguém teve que ser intubado e já estão curados”, comemora a secretária. Atualmente, apenas uma pessoa está internada no hospital da cidade, mas sem necessitar de suporte de oxigênio. “Temos também um centro covid ambulatorial, com médico, enfermeiro e técnico trabalhando a 40 horas semanais. Eles testam, dão assistência a quem está com sintomas e faz o acompanhamento”, relata.
Cidades com menos casos têm mortes
A situação de Cravolândia chama a atenção quando a cidade é comparada com outras que possuem menos casos registrados de covid-19, como Chorrochó, no norte da Bahia. Lá, são 142 casos de covid-19 confirmados, mas nove mortes registradas, o que significa uma taxa de letalidade de 7,22%, a maior de toda a Bahia. Com mais casos de covid, 178 no total, Cravolândia não tem taxa de letalidade.
“Não há uma explicação direta que nos ajude a entender porque isso acontece. Temos que relacionar os dados com outros fatores, como indicadores de saúde, população, raça e assim tentar identificar um padrão”, explica o professor Washington Rocha, membro do Portal Geocovid-19
No Brasil, a primeira morte por covid-19 foi registrada no dia 12 de março de 2020, uma mulher de São Paulo. Já na Bahia o primeiro óbito ocorreu em 29 de março: um idosos de Salvador. Em todo o país, são 116 cidades que não registraram mortes, segundo um levantamento feito pelo site G1 com o pesquisador Wesley Costa, da Universidade Federal de Viçosa, atualizado no último domingo (11).
Já na região nordeste há 26 cidades sem mortes espalhadas pelos estados do Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte e Paraíba, além da própria Bahia.