Ibama e Funai iniciam retomada do território yanomami e destroem aeronaves
O governo federal deu início às ações de repreensão ao crime e de retirada dos garimpeiros da terra indígena Yanomami, em Roraima. Entre a segunda-feira, 6, e o início da noite de terça-feira, 7, foram destruídos um helicóptero, um avião, um trator de esteira e estruturas de apoio logístico ao garimpo. Foram apreendidas ainda duas armas e três barcos, com cerca de 5 mil litros de combustível.
A ação foi liderada por agentes do Ibama, com apoio da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e da Força Nacional de Segurança Pública.
Ibama e Força Nacional instalaram uma base de controle no rio Uraricoera, principal rota fluvial da região, para impedir o fluxo de suprimentos para os garimpos. Além de gasolina e diesel, os barcos apreendidos carregavam cerca de uma tonelada de alimentos, freezers, geradores e antenas de internet.
Todos os suprimentos serão usados para abastecer a base de controle. Nenhuma embarcação com carregamento de combustível e equipamentos será autorizada a seguir daquele ponto de bloqueio em direção aos garimpos.
A instalação de bases de controle será estendida para outras áreas da terra indígena. A estrutura logística é fornecida pela Funai, com o apoio dos próprios indígenas nesta fase da operação
A ação aérea é realizada pelo Grupo Especializado de Fiscalização (GEF) do Ibama, que monitora pistas de pouso clandestinas na região. Sobrevoos para identificar e destruir a infraestrutura do garimpo, como aviões, helicópteros, motores e instalações, serão mantidos. O trator destruído era usado para abrir "ramais" na floresta.
O Ibama também fiscaliza distribuidoras e revendedoras responsáveis pelo comércio irregular de combustível de aviação que abastece os garimpos.
O objetivo principal da operação é inviabilizar linhas de suprimento e rotas que abastecem e escoam a produção do garimpo, além de garantir a permanência das equipes de fiscalização por prazo indeterminado. As ações foram acompanhadas pela Procuradoria Nacional de Defesa do Clima e do Meio Ambiente, da Advocacia-Geral da União (AGU).
Bahia é o segundo estado que mais derrubou Mata Atlântica em 2020
A Bahia é o segundo estado que mais desmata Mata Atlântica no país. Foram mais de 3.230 hectares desmatados em 2020, o equivalente mais de quatro vezes a área da cidade de Salvador. No Brasil foram desmatados 13.053 hectares.
Os dados são do Atlas dos Municípios da Mata Atlântica, estudo realizado pela Fundação SOS Mata Atlântica - ONG que existe desde 1986 - em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, unidade vinculada ao Ministério de Ciência Tecnologia e Inovação (INPE/MCTI).
Dos 17 estados brasileiros que têm o bioma, a Bahia só perde para Minas Gerais em termos de desmatamento. Ao lado de Mato Grosso do Sul, o trio concentra os dez municípios que mais desmatam a floresta no Brasil.
As cidades baianas no topo do ranking são Wanderley e Cotegipe, as duas vizinhas, no Extremo Oeste do estado. Wanderley também é a terceira cidade que mais desarboriza no país. Foram 350 hectares perdidos – isso equivale a quase um campo de futebol por dia.
Não é de hoje que a Bahia está entre os estados com maior índice de desflorestamento. Em 2019 e em 2015, também ocupou o segundo lugar. Em 2017 e 2016, chegou a ser o primeiro colocado. Em 2016, a área desmatada foi quase quatro vezes maior que a do ano passado: 12.288 hectares, o tamanho do município de Itaparica. Em 2018, por sua vez, o estado ficou na quarta posição, com 1.985 hectares desmatados.
Dos 439 municípios que tiveram registro de desmatamento no último ano, 83 são baianos (18,9% do total). No período, 70% do desflorestamento ocorreu em 100 das 3.429 cidades que compõem o bioma. Apenas essas dez cidades somam 21% do total desflorestado - três delas da Bahia. Apesar do grande número, houve queda de cerca de 9% no total da área desmatada em relação a 2019.
Apenas 12,5% da vegetação original foi preservada, segundo o diretor de Conhecimento da SOS Mata Atlântica, Luis Guedes.
“Ao longo da história de colonização do país, a Mata Atlântica foi o bioma mais desmatado, porque foi o espaço mais povoado. Os portugueses chegaram à Bahia pela Mata Atlântica e resolveram ocupar para a economia, se estabelecendo no litoral, desde o ciclo do Pau-Brasil, da Cana-de-açúcar, do ouro e do café. É onde 70% da população está estabelecida, o que representa mais de 80% do PIB [Produto Interno Bruto] do país”, explica Guedes.
As consequências geradas por esse tipo de crime são dos mais variados, seja para o bem-estar, ou para a ciência e para a natureza. “Estamos perdendo biodiversidade, espécies que precisam estar em conservação. São as florestas que garantem que a água chegue nos reservatórios, que abastecem às grandes metrópoles com energia elétrica, e que chega na agricultura, para irrigação. Então os riscos são muitos para a economia, para o bem-estar da população no dia a dia, para a produção de alimentos, além de intensificar o aquecimento global”, ressalta o diretor de conhecimento da ONG.
Para poder reverter esse cenário, Guedes, que é engenheiro agrônomo doutor em fitotecnia, as leis criadas para proteger o meio ambiente devem ser aplicadas com maior rigor. Guedes também sugere que mais reservas e áreas de proteção permanente sejam criadas.
“A Mata Atlântica é o único bioma que tem uma lei especial, reconhecida pela constituição. Ela deixa claro que é um dos biomas mais ameaçados e que seu desmatamento deve ocorrer em situações excepcionais e ele deve ser compensado”, acrescenta.
Ele relembra ainda que o Brasil tem um pacto interno no qual estabelece que devam ser reflorestados 4 a 5 milhões de hectares até 2030. Outros biomas também sofrem com o desmatamento, mas em menor escala. O cerrado, caatinga e o pantanal, por exemplo, ainda têm cerca de 50% da vegetação original. A Floresta Amazônica foi 20% desmatada.
As cidades baianas recordistas em desmatamento
A prefeita de Wanderley, Fernanda Sá Teles, que governa a cidade com maior índice de desmatamento na Bahia, afirmou que desconhece os dados da pesquisa, que eles estariam equivocados. O levantamento, no entanto, contou com a execução técnica da Arcplan, e foi realizado por meio de imagens de satélite e tecnologias na área da informação, do sensoriamento remoto e do geoprocessamento.
Fernanda também disse que a cidade só tem 3.030 km² de área - o equivalente a 300 mil hectares. Em seguida, ela desligou o telefone. O CORREIO enviou a pesquisa à prefeita por mensagem. Ela disse que não tinha esses dados ou registros pelo próprio município, que “o desmatamento não é autorizado pelo município” e que a “autorização de desmatamento não é responsabilidade do município”.
O coordenador do SOS Mata Atlântica, Luis Guedes, esclareceu os números. “A gente detectou uma área desmatada de 350 hectares, em um município de 300 mil hectares. A prefeitura dá a entender que encontramos uma área desmatada superior à área do município, mas não é isso. Estamos apontando que os desmatamentos ocorreram no município, a responsabilidade não é da prefeitura, mas do governo estadual. O importante é ela conversar com a secretaria do Meio Ambiente do Estado para uma fiscalização mais rigorosa”, explica.
A reportagem procurou a Secretaria do Meio Ambiente do Estado da Bahia (Sema), que informou que a competência seria do Instituto Do Meio Ambiente E Recursos Hídricos (Inema), que não respondeu aos questionamentos.
A cidade vizinha à de Wanderley, Cotegipe, que é governada pela irmã de Fernanda, a prefeita Márcia Sá Teles, não atendeu às ligações ou respondeu às mensagens.
Altamir Alves, secretário de meio ambiente de Encruzilhada, cidade no Centro Sul da Bahia e que se encontra em terceiro lugar no ranking, diz que os casos de desmatamento na cidade são comuns. “Eles acontecem com certa frequência, a cada três meses recebemos uma denúncia e vamos no local averiguar. Aqui tem muitos madeireiros, além do pessoal que desmata para fazer carvão e plantar café”, revela o secretário.
Ele inclusive tratava de uma denúncia no momento em que foi procurado. “Estamos com uma demanda no distrito de Vila do Café, em que as pessoas estão desmatando com uma motoserra. Já enviei ofício para o capitão regional em Cândido Sales e marcamos para ir na terça-feira no local, com a guarda civil municipal e a polícia militar”, declara.
Dentre as multas aplicadas pelo município, estão uma de R$ 100 mil, no terreno de um fazendeiro que não tinha licenciamento para desmatar. As multas começam em R$ 5 mil, por hectare ou fração desmatada, acrescido de R$ 500 se for em estágio médio ou avançado de regeneração. A Lei da Mata Atlântica proíbe o desmatamento do bioma a não ser em raras situações - como a realização de obras, projetos ou atividades de utilidade pública.
O CORREIO também procurou todas as outras sete cidades dentre as dez da Bahia que mais desmatam, mas não obteve retorno.
O superintendente do Ibama na Bahia, Alberto Santana, disse que acompanha os dados do desmatamento. “Participamos de todas as operações com a equipe do projeto Mata Atlântica em Pé, e temos unidades de conservação e superintendências em todo o Litoral Norte do estado, que fazem o acompanhamento e monitoramento do bioma via imagens de satélite”, argumenta Santana.
Segundo ele, são quatro agentes especialistas em geoprocessamento que analisam esses dados. “Eles sempre avaliam os dados, para ver se está ocorrendo alguma infração, e, se tiver, atuamos. Enviamos uma equipe no local, o responsável é multado e o processo é encaminhado ao Ministério Público, que avalia se cabe ou não enviar à Justiça”, esclarece.
Espécies em extinção
O biólogo especialista em ecologia aplicada à gestão ambiental, Bruno Vilela pontua que o Sul da Bahia tem uma das áreas mais biodiversas do bioma, e muitas espécies estão sob ameaça de extinção. “Ela abriga diversas espécies que a gente considera endêmicas, que são espécies que só têm naquela região. Em todo o estado, não só na Mata Atlântica, temos 331 espécies ameaçadas e isso é uma subestimativa”, alerta.
“A maior parte da biodiversidade, que é a biodiversidade dos invertebrados, das plantas, a gente não tem avaliado. Provavelmente tem muito mais espécie ameaçada que a gente não sabe. Nessa taxa de desmatamento, que a gente chama de destruição de hábito, só estamos aumentando o risco de extinção”, argumenta Vilela.
Já o biólogo Domingos Cardoso, doutor em botânica e professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba), ressalta que, em todo o bioma, são mais de 15 mil espécies, só de plantas. “Para ser exato, são 15.499 espécies de plantas nativas e pertencentes a mais de duzentas famílias de plantas, que conseguimos catalogar no último catálogo da Flora do Brasil”, dimensiona.
A perda de muitas das espécies gera um caminho sem volta e uma perda para ciência, segundo ele. “A gente está falando de uma perda de uma história evolutiva forjada pela natureza e que é única, é simplesmente um caminho sem volta. É muito além de perder nomes, números. São anos de história, que a natureza levou para gerar uma nova espécie, e a gente perdeu sem sequer conhecer a utilidade. Existem espécies que são a chave para enfrentar novas doenças, novos fármacos”, argumenta Cardoso.
Área desmatada de Mata Atlântica por ano na Bahia
2020: 2º - 3.230 ha
2019: 2º - 3.532 ha
2018: 4º - 1.985 ha
2017: 1º - 4.050 ha
2016: 1º - 12.288 ha
2015: 2º - 3.997 há
10 cidades baianas que mais desmataram em 2020
Wanderley - 350 hectares / restam 81% da área original
Cotegipe - 273 hectares / restam 75% da área original
Encruzilhada - 175 hectares / restam 94% da área original
Cândido Sales - 158 hectares / restam 97% da área original
Canavieiras - 121 hectares / restam 78% da área original
Coribe - 111 hectares / restam 75% da área original
Muquém do São Francisco - 100 hectares / restam 85% da área original
Vitória de Conquista - 95 hectares / restam 94% da área original
São Félix do Coribe - 94 hectares / restam 79% da área original
Mundo Novo - 88 hectares / restam 88% da área original