Muito além do vírus: pandemia deixa idosos mais ansiosos, depressivos e dependentes
Considerados grupo de risco pelas autoridades de saúde, os idosos são o público que mais sofreu com a pandemia de covid-19. O maior número de óbitos na Bahia pela doença foi entre as pessoas acima de 60 anos - 67,6% do total. A taxa de letalidade, inclusive, é maior entre os mais velhos: para quem tem mais de 80 anos chega a 23,78%. Os que sobreviveram ao estado de calamidade, ficam com amargas sequelas: depressão, ansiedade e piora do quadro de doenças crônicas, como demência e Alzheimer.
A bancária aposentada Sônia Araújo, 74 anos, foi uma das que ficou mais depressiva. Sua rotina era muito mais movimentada antes da pandemia: aula de hidroginástica, dança de salão e rua todos os dias. “Sempre quis ser uma idosa ativa”, conta ela. Porém, com o isolamento forçado, ela começou com os sintomas.
“Fiquei muito mal por não sair de casa. Meu diabetes descontrolou muito e minha pressão também. Senti que estava entrando em depressão. Quando me dei conta disso, fiquei muito mal”, relata Sônia. Colegas de hidroginástica também passaram por isso. Uma, inclusive, praticou suicídio.
De acordo com o geriatra Leonardo Oliva, membro da diretora da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), que atua no Hospital Aliança, em Salvador, poucos são os casos de idosos que não pioraram. “Alguns pioraram muito, outros pouco, mas, todos pioraram de alguma forma”, afirma.
Ele certifica que a principal consequência do isolamento foi a psicológica. “O idoso recebeu, logo no início, o carimbo de grupo de risco e essa foi uma doença muito grave e estigmatizada. Nunca antes contamos as mortes do jeito que fizemos. Para uma população que é mais frágil em relação ao adoecimento, isso se tornou um fardo difícil de carregar”, explica o geriatra.
A impossibilidade de sair casa também ajudou a agravar o quadro, já que atravessar a porta se tornou uma chance de contágio. “A pandemia acabou com a capacidade de socialização dos idosos, porque eles deixaram de sair com amigos, familiares, de receber visitas”, informa.
Foi o que aconteceu com a aposentada Raquel Silva, 91 anos. Apesar de se gabar de uma saúde de ferro e não precisar de remédios, ela mudou a rotina drasticamente. “Sempre gostei de acordar cedo para caminhar, almoçar num restaurante à quilo, comprar coisas na padaria... Também fazia hidroginástica e jogava carteado com algumas colegas”, narra Raquel.
Hoje, tudo fica entre as quatro paredes de sua casa. Assim como Sônia, ela mora sozinha. “Não posso sair, porque não é seguro. Então faço caça-palavras, vejo televisão, mas não saio mais. Não gosto nem de andar no play”, conta a aposentada. Por conta disso, ela sente que perdeu disposição. "Tenho tido mais dificuldade de fazer algumas coisas, a coluna dói mais e sinto menos firmeza nas pernas”, queixa-se.
Segundo Leonardo Oliva, o estado emocional reflete diretamente na saúde. “Para a imunidade estar a melhor possível, é preciso que estejamos emocionalmente bem. Essa tristeza excessiva afeta o sistema imunológico e baixa a imunidade”, esclarece.
A pandemia também mostrou como a rede de apoio é essencial para o ser humano. Ainda mais para o idoso, que é excluído da sociedade, segundo a psicóloga da Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP), Isabelle Chariglione, especialista em neuropsicologia do envelhecimento.
“Com a pandemia, os jovens e adultos ainda conseguiram ter convívio social, pela tecnologia. Mas, muitos não tinham acesso e outros tiveram que aprender a usar. Por isso, a solidão, que já é algo que vem no processo de envelhecimento, impactou muito mais os idosos. Ele foram muito mais impactados do que podíamos imaginar, ficaram depressivos, ansiosos e desenvolveram demência”, explica Isabelle.
Além do psicológico, existe a piora na capacidade motora, agravada pela interrupção dos serviços de saúde, ano passado. “Com a interrupção dos serviços de saúde, como de fonoaudiologia e fisioterapia, houve a perda da funcionalidade de forma importante. Idosos que caminhavam com dificuldade ou ainda caminhavam, por conta de uma fisio regular e bem feita, pararam de andar. Já os que têm dificuldade para deglutir e que deixaram a fono, passaram a se alimentar por meio de sondas”, conta o geriatra Leonardo Olivera.
O diretor técnico do instituto Logenvitat e presidente da Associação Brasileira de Alzheimer na Bahia (Abraz-BA), Adriano Gordilho, diz que os idosos tiveram sintomas agravados. “Quem tinha predisposição teve agravamento. Os depressivos tiveram perda de memória e a alteração de humor. Quando se deprime, os neurônios se perdem mais rapidamente, pois é um fator de desligamento neuronal. Por isso, são importantes a musicoterapia, os exercícios físicos e a socialização”, argumenta Gordilho.
Também houve um aumento da procura pelos serviços de geriatria no Instituto, em torno de 30 a 40%. Os pacientes que têm Alzheimer, por exemplo, foram os que mais tiveram piora no quadro. “O paciente com Alzheimer precisa de muita socialização, de contato social e estímulos, para aumentar sua neuroplasticidade, ou seja, suas conexões neuronais”, pontua.
Uma maneira que a aposentada Sônia encontrou para contornar essa situação, foi a terapia e a atividade física. Até crossfit e yoga ela começou a fazer. Hoje, se sente muito melhor. “Acabei descobrindo o programa Saúde & Bem-Estar do Correio e comecei a colocar as dicas em prática. Comecei a ir no médico, fazer os exames, controlar a pressão, a alimentação e redescobri a atividade física. Agora, estou me exercitando todos os dias da semana, fazendo terapia e dedicando tempo para o meu bem-estar e qualidade de vida. Sinto que voltei a viver”, comemora.
Importância da reabilitação
A geriatra Mônica Hupsel Frank, diretora do Centro de Referência Estadual de Atenção a Saúde do Idoso da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), chama a atenção que é possível reverter esse cenário de idosos mais depressivos, ansiosos e com capacidade motora reduzida através dos centros de reabilitação. No caso da Sesab, existem ambulatórios especializados, como o instalado no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) do Iguatemi.
“Temos equipes multiprofissionais para fazer não só a reabilitação, mas para fazer com que os idosos realizem as atividades que faziam antes com segurança, seja cozinhar, caminhar, subir escada ou dirigir, trazendo de volta a função e desempenho dos músculos”, explica Mônica. A diretora também diz que existe a reabilitação psicológica, com acompanhamento de, em média, três meses. Desde a instauração, em junho deste ano, 300 atendimentos foram feitos.
“Muitos pacientes tiveram um comprometimento da função psicológica e se queixam, principalmente, da solidão. Isso foi muito deletério para a saúde deles e esperamos reverter, para atuar preventivamente no adoecimento desse público”, defende Mônica.
Para ter acesso ao ambulatório, é preciso já ter sido internado pela covid-19. O relatório da alta, a cópia da identidade, o cartão do SUS e o comprovante de residência devem ser enviados para o Whatsapp 999692-4807, para que haja a triagem e o paciente possa utilizar o serviço.
O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, através da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, pediu que o CORREIO procurasse o Ministério da Saúde (MS).
O Ministério da Saúde disse que, em 2019, foram realizados 46.746 atendimentos a idosos em Saúde Mental, na Bahia. Em 2020, 43.116. Ou seja, houve uma queda de quase 8%. De janeiro a junho de 2021, foram 33.665 atendimentos.
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) não respondeu até o fechamento desta edição.
Casos confirmados de covid-19 por faixa etária na Bahia**
60 a 69 anos: 7,4% do total
70 a 79 anos: 3,85% do total
80 anos +: 2,24% do total
Óbitos na Bahia por covid-19**
60 a 69 anos: 5.560 casos - 20,7% do total
70 a 79 anos: 6.024 casos - 22,4% do total
80 +: 6.573 casos - 24,5% do total
Taxa de letalidade**
60 a 69 anos: 6,1%
70 a 79 anos: 12,69%
80 +: 23,78%
**Fonte: Sesab