Recordes de março: mês foi o maior em casos ativos, taxa de ocupação de UTI e mortes
Desde que começou a pandemia da covid-19, não teve um mês fácil. Só que março veio para contradizer o slogan do deputado federal Tirica: pior do que está, não fica. Um ano após seu início, a crise sanitária conseguiu piorar. Além do novo recorde de mortes – foram 3.671 em 31 dias vidas perdidas - março acumula 23% do total de óbitos do estado, de 15.330. Também foi o mês em que foi registrada a maior taxa de ocupação de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Chegamos a 89%, no dia 14. Houve ainda um recorde de casos ativos, no dia 6: foram 21.916 pessoas infectadas pela doença ao mesmo tempo. Na quarta-feira (31), os casos ativos somavam 14.542.
De uma média de 30 óbitos por dia, passamos a ter 150. O maior número até agora tinha sido de 155, registrado na última sexta-feira (26). Mas, até no último dia, março conseguiu surpreender: foram 160 óbitos no dia 31. O mês que mais tinha tido óbitos até então foi fevereiro, com 1.722 mortes. Além disso, a fila da regulação para um leito de UTI específico para o novo coronavírus teve mais de 530 pessoas à espera. Algumas cidades, como Valente e Queimadas, no nordeste baiano, sofreram com falta de oxigênio e a falta de medicamentos para o kit intubação foi uma ameaça. Ou seja, foi o mês em que a Bahia esteve à beira do colapso no sistema de saúde.
"Tínhamos em torno de 30 pacientes aguardando uma regulação de um dia pra outro, chegamos a mais de 500 e foi o mês que chegamos a bater 89% de taxa de ocupação dos leitos de UTI. Mas, ampliamos nesse mês de março, instalamos mais de 400 leitos de internação e, com isso, conseguimos domar a taxa de internação mantendo abaixo de 85%”, conforta o secretário de saúde da Bahia, Fábio Vilas-Boas. Na quarta-feira, a taxa se manteve em 84% e 133 esperam por um leito de UTI, além de 17 para enfermaria.
Segundo Vilas-Boas, a rede contemplada pela Secreataria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) não teve falta de medicamentos.
“Não tivemos falta de medicamento no estado. Trabalhamos com a suplementação para alguns hospitais fora da nossa rede, que tiverem dificuldade em obter. Mas a gente tem um estoque para a rede da Sesab, se for para abastecer todos os hospitais de todas as prefeituras aí eu não tenho. Mas da rede compramos e guardamos”, explica o secretário.
Ele diz que a rede credenciada pelo estado tem reserva para um mês e aguarda compras internacionais.
Apesar de alguns números terem melhorado com a aplicação das medidas restritivas - como o fator RT, número de casos positivos pelos testes aplicados pelo Lacen e casos ativos - a Bahia ainda terá um alto número de óbitos em abril. “Infelizmente a mortalidade vai se manter alta por um bom tempo, porque isso representa casos que aconteceram vários dias atrás. Às vezes, temos 200, 300 óbitos notificados, mas só 100 são de fato de covid. Eles são submetidos a uma auditoria, então frequentemente caem pela metade. Chegamos a ter 831 óbitos em análise no dia 15 de fevereiro. Março começou com 255 em análise e hoje está em 395. Ainda é um estoque de óbitos alto, que vai sendo liberado tardiamente”, esclarece o secretário. A estimativa é que a taxa de letalidade só vá melhorar na segunda quinzena de abril.
Essa letalidade, inclusive, tem sido maior em municípios de pequeno e médio porte, por conta da baixa complexidade da estrutura de saúde.
“Não tem cidade que esteja pior que outra. De modo geral, as cidades maiores, como têm mais UTIs, a mortalidade acaba sendo menor do que as cidades de pequeno e médio porte, porque lá não tem UTI e o tratamento acaba sendo mais demorado e, por isso, a taxa tem sido maior que a média da Bahia”, acrescenta Vilas-Boas.
Outro fator que atingiu seu pico em março de 2021 foi o número de intubados na fila da regulação, que são os pacientes de maior risco. Há duas semanas, eram 70. O número conseguiu reduzir para três na manhã da quarta-feira. “Esse é um dado muito importante, porque dá a ideia da gravidade da doença. Quando o paciente está intubado, é quando ele morre. E esse número não caiu espontaneamente, foi um esforço enorme para criar vagas e agilizar as altas dos pacientes”, argumenta.
Salvador também esteve perto do colapso
Em Salvador, o sufoco também foi grande. “Tivemos o pior mês da pandemia, com uma ascensão vertiginosa não só da procura por assistência à saúde quanto pela necessidade de leitos clínicos e de UTI a ponto de lá para o dia 16, 18 de março, chegarmos a mais de 87 pacientes aguardando por uma UTI na nossa rede”, avalia o coordenador do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), Ivan Paiva.. Depois desse pico, o número decresceu drasticamente e, na quarta-feira (31), só 8 pacientes precisavam de um leito como esse.
O aumento da demanda fez com que a prefeitura tivesse que tomar algumas decisões e ampliasse o serviço de atendimento ao cidadão.
“Março foi o momento de reativar os leitos das UPAs [Unidades de Pronto Atendimento], que a gente tinha desativado em dezembro e janeiro, e concentrar os pacientes de covid nos gripários e nas unidades de suporte ventilatório, abrimos leitos no Hospital Santa Clara, construímos o hospital de campanha de Itapuã, instalamos o gripário de São Cristóvão, a unidade de suporte ventilatório em Valéria, tudo isso para ampliar a oferta. Chegamos perto do colapso, mas deu para reverter”, exemplifica o coordenador.
O médico também diz que o Samu passou a fazer mais de 100 transferências por dia de pacientes de gripários para leitos hospitalares, fora o atendimento a domicílio. A média era de 20. Esse número continua alto, em torno de 70 a 80 deslocamentos diários. Houve inclusive uma situação inédita no serviço em março, que nunca havia acontecido até então na pandemia. Por falta de vagas, o Samu teve que dar suporte na unidade de Pirajá/Santo Inácio, pois não havia onde colocar os pacientes. Eles ficaram por algumas horas nas ambulâncias até serem regulados. Muitos já estavam dividindo leitos – um na cama e outro na cadeira.
“A gente chegou ao ponto de manter cilindros de oxigênio extra nas ambulâncias, porque, se alguma unidade precisasse, não passaria por desabastecimento. E a mesma coisa aconteceu com medicamento. Fizemos uma reserva de ventiladores para encaminhar para as unidades superlotadas. Tinham salas vermelhas que tinham quatro pacientes onde cabiam dois, e unidade que só cabiam 12 e tinham 28 pessoas", conta Paiva.
Além de Salvador, outra cidade que vem tendo recorde atrás de recorde é Correntina, no extremo-oeste da Bahia. Dez das 18 mortes no município foram em março. A cidade também teve outro fato inédito: pela primeira vez, ultrapassou a marca dos 100 casos ativos, no último dia 24. Na terça-feira (30), o número chegou em 133, algo muito significativo para um território de apenas 32 mil habitantes. A prefeitura descreveu a situação como "alarmante" e que "traz uma preocupação enorme para todos".
Baianos perdem familiares e lutam contra UTI
O mês de março ficará marcado para Romário Almeida, 27, como o mês em que ele perdeu o tio Manoel Barbosa, quase um pai para ele. Após 15 dias na UTI do Hospital Santa Izabel, ele faleceu no dia 21 de março com mais de 50% dos pulmões comprometidos, aos 54 anos. “Ele era aquele tio que levava para todos os lugares, que me fez amar de verdade o Vitória, me levava para todos os jogos no estádio, qualquer show, ele fazia questão de levar a gente e buscar, independente do horário, ele sempre foi o tio legal”, lembra Romário, analista de sistemas.
O sobrinho não conseguiu nem ir ao enterro do tio, porque foi feito na cidade natal dos dois, Jaguaripe, no Baixo-Sul baiano. “Mesmo sabendo que não é minha culpa, fica o sentimento de não poder estar presente no hospital e visitar ele. Fica o arrependimento de não poder ter tido mais umas horas com ele. Não caiu a ficha ainda”, lamenta Romário. O tio dele, Manoel, também não chegou a ver o único filho completar um ano de vida. Ele era hipertenso e estava em quarentena rigorosa. As únicas pessoas que o visitavam era a namorada, que trabalha como enfermeira de um hospital, e o filho.
Já o cabeleireiro Edy Rios passou a maior parte de março no hospital. Ele deu entrada no dia 9 no Hospital Jorge Valente já com dificuldade de respirar por conta da covid-19. Por não ter vaga de UTI disponível na unidade, ele foi transferido para o Hospital das Clínicas, em Alagoinhas. Ao todo, passou 21 dias na UTI, sendo 11 intubado. Inclusive seu aniversário de 42 anos, no dia 20.
“Eu achava que ia ser uma febre que ia passar. Mas é aquela coisa, a gente só fecha a porta quando o ladrão chega. Não dei a importância devida, não tinha noção que a doença era tão cruel”, relata Edy, emocionado. O cabeleireiro não tinha doença crônica e esperou oito dias de sintomas para ir até uma unidade hospitalar. Ele pegou a covid de uma funcionária do salão. Uma das sequelas que a infecção deixou foi uma trombose no pé, que ainda precisa tratar com um cardiologista.
Edy Rios comemorando sua saída do Hospital das Clínicas de Alagoinhas (foto: acervo pessoal)
Durante o período em que esteve na UTI, ele conta que teve ainda complicações no fígado, rim e coração. “Meu coração quase parou, mas em nenhum momento pensei negativo, achei que ia ficar mal e que não ia conseguir. Nesse processo, morri e renasci umas três vezes. O sentimento agora é só de gratidão, por Deus ter me dado a vida de volta, não tem outra palavra. Agradeço também aos amigos, pela vida, por todos que oraram”, agradece o cabeleireiro. O período no hospital ainda rendeu amizade com enfermeiros, técnicos e médicos, que deixaram a família ir visitá-lo no dia do aniversário.
No caso da dona de casa Jamile Pires, 27, março foi um prolongamento do sofrimento que ela passa desde dezembro. O filho dela, Heitor, de apenas 2 anos e 1 mês, está internado no Hospital Roberto Santos desde o final do ano passado. Em março, ele pegou a covid-19 pela terceira vez, na unidade hospitalar. Tudo começou quando ele teve uma broncoaspiração e precisou buscar tratamento em Salvador. Natural de Entre Rios, cidade no nordeste da Bahia, ela não vê o filho desde então. Ele tem várias doenças crônicas como toxoplasmose, paralisia cerebral, hidrocefalia e baixa visão.
“Às vezes, bate um desespero aqui em casa, eu choro bastante, mas confio em Deus. Se Heitor está vivo hoje é pela gloria dele, é um milagre vivo, porque mostra a todos o que Ele pode fazer para aquele que crê. Estou com muita saudade”, desabafa a mãe. O irmão Heron, de quatro meses, nasceu no mesmo hospital em que Heitor está hoje internado. Mas, devido às restrições da pandemia, ele não pôde ainda conhecer o irmão.
A criança já passou por mais de cinco intubações. Da primeira vez, foram mais de 10 dias. Depois que pegou a covid-19 no Roberto Santos, foi transferido para a UTI pediátrica do Hospital Couto Maia, mas voltou para a unidade quando o teste deu negativo. Menos de um mês e meio depois, ele testou positivo novamente. O quadro é estável e ele se mudou para a enfermaria, mas ainda precisa de oxigênio.
Os pais, desempregados – a mãe precisa ficar em Entre Rios para cuidar do recém-nascido e o pai no Roberto Santos cuidando de Heitor – tentam arrecadar dinheiro por rifas e até vendendo caruru para construir uma estrutura de UTI em casa. Até agora, já conseguiram R$ 2 mil em doações. Saiba como doar através da conta do Instagram @heitormilagre. Eles não têm plano de saúde. “Fico com medo de demorar demais e ele pegar outra infecção no hospital, porque foi lá que ele se contaminou. Quero trazer logo ele para casa”, narra Jamile.
Possíveis aglomerações na Semana Santa preocupam
Tanto Vilas-Boas quanto Paiva alertam para a preocupação de os números crescerem após o feriado da Semana Santa. “A preocupação é muito alta, porque toda vez que tem feriados, familiares acabam aglomerando. Mas vamos observar como isso vai se comportar ao longo das próximas duas semanas. Se se mantiver essa tendência de queda, a tendência é que na próxima reunião do governador com os prefeitos, aconteça alguma flexibilização”, diz o secretário.
Paiva relembra que o vírus pode contaminar entes da mesma família, ou seja, mesmo que a reunião for dentro de casa, só com parentes, há risco. “As pessoas começam a aglomerar membros da mesma família, achando que por que é primo, tio, não vai pegar coronavírus, mas pode pegar todo mundo de uma vez. Espero que a população entenda que esse feriado não é para aglomerar em casa, para que não tenha que jogar fora todo o sacrifício do isolamento”, aconselha. Ele ainda citou um caso em que teve que intubar três pessoas ao mesmo tempo da mesma família, durante a pandemia.
Bahia bate recorde de vacinados
Por outro lado, março foi o mês em que a vacinação mais avançou na Bahia, desde o início da aplicação das vacinas, no dia 19 de janeiro. Nos 31 dias de março, mas de 1 milhão de pessoas foram vacinadas e tivemos recorde de baianos que tomaram o imunizante em um único dia. No dia 24, foram 106.796 vacinados e, no dia 30, foram 103 mil imunizados.
Com isso, a Bahia atingiu 1.515.655 vacinados contra a covid-19, em relação à primeira dose. Para atingir a imunidade completa, é preciso ainda da segunda dose no caso de algumas vacinas, como a Coronavac e a de Oxford, que são as que estão sendo aplicadas no momento no Brasil. Completaram o esquema de vacinação com a segunda dose 313.500 baianos.
Também foi em março que o governador da Bahia, Rui Costa, assinou um contrato com a Fundo Soberano Russo, e garantiu a compra de 9,7 milhões de doses da vacina Sputnik. Segundo o secretário Vilas-Boas, a vacina chegará no território baiano 15 dias após a autorização da importação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A vacina ainda não tem autorização para uso emergencial ou definitivo, mas Vilas-Boas garantiu que, se a Anvisa autorizar que ela seja importada, a permissão para a aplicação das doses é automática. A previsão é de que o primeiro lote chegue ainda neste mês de abril. Ainda não há definição sobre a quantidade de vacinas que virão para a Bahia.