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Em meio a um cenário de polarização e descrença política, Santa Luzia foi a cidade com maior taxa de abstenção em todo o estado. Ao todo, o município possui 9.949 eleitores aptos. Destes, 35,38% (3.520) deixaram de votar contra 64,62% (6.429), que foram às urnas em 2 de outubro, no 1º turno.

Ao sul do estado e localizada a 537 km de Salvador, Santa Luzia lidera a lista de municípios com maior taxa e passa com folga o total estadual. Na Bahia, dos 11.291.528 eleitores aptos, 21,33% (2.408.747) não foram votar, ante 78,67% (8.882.781).

Na sequência do ranking estão os municípios de Boa Nova (34,97%), Presidente Jânio Quadros (34,44%), Potiraguá (34,18%), Maetinga (34,17%), Guajeru (33,61%), Iaçu (32,74%), Rio do Pires (32,73%), Santa Cruz da Vitória (32,50%) e, por fim, Igrapiúna (32,41%).

A taxa de faltantes está atrelada ao tamanho dos municípios. Com poucas oportunidades de emprego no interior, é comum que a população migre para cidades maiores em busca de melhor qualidade de vida e não retorne para votar. As cidades registram média populacional de 10.658 pessoas - conforme cálculo a partir da população estimada pelo IGBE em 2021. A maior delas, Iaçu, possui 23.950 habitantes. A menor, Guajeru, tem 2.386.

O cientista político André Carvalho explica que as regiões com maior abstenção são também as de elevada desigualdade social. “A população mais pobre é marginalizada na política e não vê muitos estímulos para comparecer às urnas. Apesar do peso do voto ser igual para todas as classes, a política prioriza quem é privilegiado economicamente”, argumenta.

Entre as 10 principais, apenas Potiraguá (99º), Maetinga (69º) e Igrapiúna (106º) aparecem acima da posição 200 na classificação de Produto Interno Bruto (PIB) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Dos 417 municípios baianos, 23 registraram índice de faltantes superior a 30%. Na contramão, 12 tiveram faltas menores que 15%. A cidade de Presidente Dutra, no Centro Norte, próxima de Irecê, teve 86,41% de participação municipal e somente 13,59% dos eleitores aptos faltaram. Lafaiete Coutinho, próximo a Jequié, no Centro Sul, aparece com 85,74% de eleitores ativos no primeiro turno e 14,26% faltantes.

Com cavernas, rios e cachoeiras, Santa Luzia se apresenta como atrativo destino turístico no litoral sul. Desmembrada de Canavieiras, agora faz parte da Costa do Cacau, trecho com praias paradisíacas e áreas preservadas de Mata Atlântica.

Apesar das belezas, não é a primeira vez que a cidade lidera o nível de abstenção. Em 2018, estava no topo e com índice ainda maior, de 38,50%. Para o monitor Werley Ribeiro, 27, a recorrência acontece devido à falta de oportunidades na cidade, que faz moradores se mudarem e não retornarem nas eleições. Ele mesmo se mudou para Itabuna em 2020 porque estava desempregado e não votou no primeiro turno de 2022.

“Me mudei para cá [Itabuna] porque tinha oportunidade de emprego. Cheguei a me planejar para ir em 2 de outubro, mas não consegui ir por causa do trabalho. O meu caso é igual ao da maioria das pessoas que faltaram, estão fora da cidade”, afirma.

Localizada na microrregião de Ilhéus-Itabuna, Santa Luzia possui 45,5% de domicílios com esgotamento sanitário adequado e apenas 13,2% de domicílios em vias públicas têm presença de bueiro, calçada, pavimentação e meio-fio. As informações são do IBGE, com base em coleta feita em 2010. A reportagem do CORREIO solicitou à prefeitura dados atualizados e posicionamento sobre desinteresse sobre o pleito, mas não recebeu retorno.

No município, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi o candidato mais votado para a Presidência da República, com 66,61% dos votos. Para o cargo de governador, ACM Neto, do União Brasil, recebeu mais votos (52,66%).

Peso da abstenção

Quanto ao cenário individual de abstenção, o professor de direito eleitoral e membro da comissão de direito eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil na Bahia (OAB/BA), João Paulo Oliveira, afirma que a descrença política, transporte até o local de votação e espera nas filas durante o primeiro turno são outros fatores que desestimulam o eleitor ao voto.

“O que pode garantir uma maior participação é o apelo dos dois candidatos. Mas uma coisa é certa: os ausentes no primeiro turno podem acabar por decidir a eleição no segundo”, diz.

O cientista político André Carvalho também ressalta que, devido à margem apertada na disputa do segundo turno, “qualquer voto conta” e o público que antes se absteve pode decidir o rumo político do país. A expectativa dos especialistas, no entanto, é que a abstenção aumente do primeiro para o segundo turno, conforme acontece na série histórica. Embora o voto seja obrigatório, Carvalho defende que a abstenção também faz parte da democracia.

Ele cita a disputa entre Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB), em 2014, como cenário similar ao de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL). “Até na apuração não se tinha certeza de quem levaria. [A situação] se assemelha à disputa de hoje. Ambos os lados têm perspectiva de vitória. [A abstenção] no segundo turno foi 1% a mais”, recorda.

Para Carvalho, nas eleições, o aumento é resultado do estímulo dado no primeiro turno devido à gama de políticos na corrida. O cientista político salienta que, como são centenas de candidatos disputando cargos de deputado estadual, federal, senador, governador e presidente, os eleitores estão mais engajados a se identificar com algum político ou votar em quem já conhecem pessoalmente.

“Na última eleição a abstenção aumentou 1%. É esperado que ocorra [o mesmo agora]. Seria estranho se subisse 5%. Deve ficar na média histórica de 1%”, projeta.

Na Bahia, abstenção no primeiro turno foi maior que em 2018

O número de ausentes no primeiro turno em 2022 foi levemente superior ao da eleição de 2018 na Bahia. Há quatro anos, 2.154.937 (20,74%) milhões de pessoas deixaram de votar no estado, sendo que a Bahia tinha 10.393.170 milhões de pessoas aptas. Em 2022, dos 11.291.528 eleitores aptos, 21,33% (2.408.747) deixaram de comparecer.

Em paralelo, o número de pessoas do estado que reservaram parte de seu tempo ao longo do dia 2 de outubro para ir às urnas e cresceu em termos totais e percentuais nesta eleição em comparação com os dados de 2018. Há quatro anos 8.238.329 foram às urnas e, neste ano, 8.882.781 estiveram presentes no primeiro turno.

Vale lembrar que, devido ao grande número de eleitores e candidatos a votar no primeiro turno, eleitores baianos passaram horas nas filas para finalmente conseguir confirmar o voto. Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes comunicou no dia 4 que iria tomar as medidas necessárias para evitar que os eleitores enfrentem filas no segundo turno das eleições.

No dia 17, o Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE/BA) deu início ao treinamento dos mesários que atuarão como presidentes das mesas receptoras de votos durante o segundo turno, marcado para o próximo domingo.

Publicado em Política