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Depois que cinco crianças ficaram em perigo após criminosos armados roubarem o veículo que as levavam para a escola nesta terça-feira (25), no bairro da Liberdade, o medo de passar pela mesma situação que o motorista George Aragão, 27, tomou conta de muitos motoristas de transportes escolares.

No caso de George, a doblô escolar em que ele estava foi interceptada pelos bandidos, que fugiram levando o veículo e dois estudantes sentados no banco de trás. Os meninos foram liberados alguns minutos depois e retornaram para casa em segurança. De acordo com a Polícia Civil, o caso foi tipificado como roubo, uma vez que a intenção era de levar apenas o carro.

O momento de horror vivenciado por George passou, mas o medo sentido por muitos outros motoristas segue vivo. Presidente da Associação de Transporte Escolar e Turismo do Estado da Bahia (Atest), Isabel Meneses expressou indignação com o ocorrido.

“Além de ficarmos horrorizados e estarrecidos, nós temos uma sensação muito grande de insegurança. É uma situação muito delicada. Como é que ele vai no outro dia trabalhar? Como ele vai sentar no volante e dizer bom dia a essas crianças? É um misto de revolta com desespero. Ficamos com a sensação de impotência”, desabafa.

“Isso acaba com a gente”, diz motorista de van assaltado duas vezes em serviço

O sentimento de impotência relatado pela presidente da Atest foi a mesma sensação que o motorista de transporte escolar Eri Ferreira, 57, sentiu há três anos, quando sofreu dois assaltos enquanto levava crianças à escola.

O primeiro aconteceu em maio de 2019, em Fazenda Grande, às 6h da manhã. Na ocasião, os bandidos pararam com a moto ao lado da van e levaram o celular dele, da auxiliar do transporte escolar e das cinco crianças que estavam no carro. Ninguém ficou ferido.

Na segunda vez, na Barros Reis, em setembro do mesmo ano, a abordagem foi diferente. Por volta das 6h30 da manhã, uma moto atravessou na frente da van e Eri puxou o freio com força para não atropelar os meliantes. Assim que o veículo parou, os bandidos apontaram a arma para o motorista.

“A primeira coisa que eu fiz foi dizer às crianças ‘Fiquem todos quietinhos, baixem a cabeça e não digam nada”, lembra o motorista.

Todas as crianças que estavam com ele obedeceram, exceto um garoto de 14 anos, que implorou a um dos bandidos para não levar seu celular. O jovem recebeu um tapa no rosto como resposta e chegou a ter uma arma apontada para a sua cabeça. Os bandidos levaram quatro celulares. Com 30 anos de profissão, Eri classifica a experiência como traumatizante.

“Eu cheguei a pedir ‘Por favor, não faça isso não, ele é uma criança’. Isso acaba com a gente. As crianças ficam em pânico, choram”, relata.

Depois do ocorrido, Eri afirma que deixou de prestar serviço para o bairro da Fazenda Grande, local onde mais ocorrências ele afirmou terem sido reportadas por colegas de profissão. São Caetano e Beirú são outros bairros citados pelo motorista como perigosos para transportes escolares. Ele aponta que há policiamento, mas os bandidos têm estratégia.

"Ficam escondidos. Quando a polícia passa, se surgir uma van eles vão lá e assaltam”.

Eri ainda chama atenção para o horário. De acordo com ele, os casos de assalto a vans escolares sempre acontecem de manhã ou de madrugada.

“Esse horário é o horário mais perigoso. Eu saio às 5h30 da manhã. Nós ficamos vulneráveis, estamos entregues nas mãos desses caras. Essas crianças têm tablet, têm tudo e eles sabem. Precisamos de uma segurança maior. Nós pomos nossa vida em risco, porque tentamos impedir que eles façam algo com elas”, diz.

Bahia registra 35 assaltos a transportes escolares em três meses

Segundo a Atest, 35 ocorrências de assaltos envolvendo veículos escolares aconteceram na Bahia nos últimos três meses, o que gera uma média de uma ocorrência por dia nesse período. Apesar do número, nesta terça-feira foi a primeira vez que os criminosos levaram crianças nos veículos.

Depiladora autônoma, Uilma Ribeiro, 31, é mãe de um garoto de 7 anos e faz uso do transporte escolar. Ela afirma que sempre vai até a van com o filho. Depois de ver o caso das crianças levadas por bandidos no bairro da Liberdade, ela não nega a aflição.

“Meu sentimento é de extrema preocupação, até porque as crianças não sabem como se comportar em situações de perigo, não sabemos qual a real intenção dos meliantes, sem falar nos traumas que as crianças podem desenvolver devido a uma situação como essa”, declara.

Insegura com a possibilidade de levar o filho de 4 anos para a escola usando o transporte público, Layla Brito, 24, conta que sempre leva o filho no veículo escolar e faz questão de colocar o cinto na criança. Segundo ela, o medo agora é de que os transportes escolares virem alvo dos bandidos.

Especialista em segurança pública, o Coronel Jorge Melo destaca que é importante que a culpa não seja atribuída ao serviço de transporte escolar. “Assim como os motoristas de transporte escolar, qualquer um de nós com um veículo pode ser vítima de um roubo. O risco existe para todo mundo, a questão é a segurança da cidade”, frisou.

Melo ainda aponta que uma das razões para casos como esse acontecerem se deve a defasagem da segurança pública. "Nós temos hoje um efetivo das forças de segurança que não acompanhou o crescimento da cidade e da própria população. Inegavelmente, segurança pública se faz com presença em potencial do efetivo da polícia”.

Procurada, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) informou que a Polícia Militar (PM-BA) dispõe da Ronda Escolar, operação que tem a finalidade de intensificar o policiamento, por meio de visitas comunitárias aos estabelecimentos de ensino, visando prevenir e combater a violência nas escolas e seu entorno.

Questionada sobre o funcionamento da operação, a PM-BA declarou que a Ronda Escolar realiza atividades integradas, como palestras e visitas, para que a comunidade escolar tenha um ambiente propício para o desempenho de suas atividades.

Ainda, ao ser questionada sobre o número da frota e a respeito dos bairros contemplados pela operação em Salvador, a pasta afirmou que, por questões estratégicas, não divulgam números relacionados ao emprego de policiais militares e viaturas.

Sequestros de criança em Salvador são fake news, garante especialista

Em 2018, áudios espalhados no WahtasApp surgiram informando que crianças estavam sendo sequestradas em Salvador. O tom de alarme nas mensagens indicava urgência e recomendava aos pais cuidado.

Desmentidos pela SSP, os supostos casos de sequestro compartilhados no aplicativo de mensagens podem voltar à tona depois do episódio desta terça-feira (25), quando bandidos levaram duas crianças ao roubarem um veículo de transporte escolar. Isso é o que alerta o especialista em segurança pública, Coronel Jorge Melo.

De acordo com ele, é importante que, casos novas fake news surjam, as pessoas mantenham a calma e averiguem os fatos antes de compartilhar entre conhecidos. “É sempre importante perguntar ‘se estivesse mesmo acontecendo casos como esse, onde estão os pais dessas crianças que não registraram essas ocorrências?”, aconselha o especialista.

Publicado em Bahia