No dia 3 de dezembro, esta quarta-feira, foi celebrado o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência. A data foi criada em 1992, na Assembleia Geral das Nações Unidas, na intenção de promover os debates sobre os diversos tipos de deficiência, acessibilidade e acesso a diretos pelas pessoas com deficiência.
Um dia após a data simbólica, o Bahia Notícias conversou com a presidente da Associação Baiana de Deficientes Físicos (ABADEF), Silvanete Brandão. A gestora e assistente social refletiu sobre as barreiras sociais e políticas enfrentadas para a promoção da acessibilidade na Bahia e deu informações sobre as ações promovidas pela ABADEF.
Ao BN, a gestora conta que sua relação com a associação surgiu há 30 anos, quando foi convidada a participar da organização. Na época, ela ainda estava longe de se tornar a assistente social, palestrante e consultora reconhecida que é hoje. “Minha relação com a associação começou quando eu conheci Luíza Câmara [ativista e fundadora da ABADEF, falecida em 2020]. Eu estava fazendo cursinho pré-vestibular e ela era presidente, estava presidente naquela época, e me convidou para vir participar da associação. E de lá para cá já são 30 anos convivendo com as pessoas com deficiência e na gestão da ABADEF”, conta.
Relembrando a fundadora do grupo, Luíza Câmara, Silvanete Brandão destaca que, em 25 anos de história, a associação já uniu milhares de pessoas com deficiência em ações de acolhimento, capacitação e defesa dos direitos humanos. “A ABADEF já tem 45 anos de existência e de resistência no estado da Bahia e no Brasil. Nós somos hoje mais de 5 mil pessoas inscritas”, afirma.
Apesar de se chamar “Associação Baiana de Deficientes Físicos”, a presidente conta que a entidade passou por uma importante reestruturação recentemente. “No início, ela [a associação] foi fundada só para pessoas com deficiência física, mas há cerca de dois anos as pessoas com outras deficiências, têm me pedido para participar da entidade, e nós mudamos o nosso estatuto para cadastrar pessoas com outras deficiências”, explica.
AÇÃO COM PROPÓSITO
A mudança corresponde diretamente com a missão e propósito centrais da organização, que, acima de tudo, tem como a principal missão a garantia de direito para as pessoas com deficiência. E Silvanete garante que todas as ações promovidas pela ABADEF possuem a inclusão e promoção de direitos como “estrela-guia”.
Ela conta que entre os vários projetos da associação, três se destacam, em paralelo com os três principais temas que limitam a participação social de pessoas com deficiência: acessibilidade, educação inclusiva e capacitismo estrutural.
“A acessibilidade [é um fator], porque sem acessibilidade não existe inclusão, sem acessibilidade você não sai de casa, sem acessibilidade você não pega um transporte público, não vai para uma escola ou para uma faculdade. A segunda é a educação inclusiva. Eu acho que a gente ainda precisa melhorar as questões da escolaridade [das pessoas com deficiência], das capacitações de profissionais que atendem as pessoas com deficiência nas escolas. E por último, capacitismo estrutural, que é aquele preconceito para com a pessoa com deficiência, a discriminação que faz com que a pessoa com deficiência fique à margem da sociedade”, sucinta.
Frente a essas problemáticas, a presidente da organização baiana destaca que “temos vários projetos”. Em resposta ao capacitismo estrutural e a educação inclusiva, o projeto Capacita, atua no incentivo a autonomia da pessoa com deficiência. “O projeto Capacita faz a empregabilidade e consultoria para as empresas que precisam estar contratando pessoas com deficiência. Qualificamos os associados para que ele entre no mercado de trabalho de uma forma digna”, explica.
Para as mulheres, que ainda sofrem com o estigma de gênero, para além do capacitismo, Silvanete ressalta que o “projeto Mulheres com Deficiência, é um projeto em que a gente trabalha a autoestima das mulheres com deficiência, o empreendedorismo”. “É sempre uma forma da gente atuar para diminuir ou a violência contra as mulheres com deficiência”, completa.
Mas para além das capacitações, rodas de conversa e consultorias, a presidente diz que uma ação festiva também é importante. “Temos um bloco de carnaval, ‘Me Deixa a Vontade’, que sai com 2.500 pessoas com deficiência anualmente no Carnaval de Salvador. E também o Baile da Inclusão em que as mulheres e homens com deficiência desfilam. Temos alguns modelos com deficiência e de lá nós tiramos o rei e a rainha do bloco ‘Me Deixa à Vontade’”.
OS ENTRAVES
Questionada sobre as principais dificuldades para a sociabilidade de pessoas com deficiência na Bahia, Silvanete Brandão foi direta: “A acessibilidade sempre é a barreira principal para as pessoas com deficiência, principalmente se for pessoa com deficiência física”.
“Porque se ele não consegue sair, ele não consegue se movimentar. Então, a gente tem, um déficit ainda muito grande, principalmente numa cidade como Salvador, que tem um relevo muito específico e muito difícil também”, diz. A fala se reflete em dados concretos.
Dados do Censo Demográfico 2022 sobre Características Urbanísticas do Entorno dos Domicílios, divulgados em abril deste ano, indicam que quase metade da população de Salvador vive em ruas sem calçadas. O índice é o pior entre as capitais brasileiras. E calçada é apenas um dos problemas. Rampas irregulares, pisos impróprios e falta de suportes como corriões e piso tátil ajudam a compor a paisagem urbanística da capital baiana, impactando não apenas as pessoas com deficiência física, como as pessoas com deficiência intelectual, que também sofrem com os diversos estímulos ao sair de casa.
Silvanete diz que “o cidadão com deficiência, ele ainda não consegue acessar plenamente a sua inclusão e a sua cidadania pela falta da acessibilidade e pela falta de campanhas em que a pessoa com deficiência”. “É preciso que ela seja valorizada, que a gente tenha representatividade nos espaços. Infelizmente ainda no estado da Bahia, na cidade de Salvador, nós não temos protagonismo para as pessoas com deficiência”, completa.
Mas, para a presidente, existem mecanismos de inclusão ativos. “O principal avanço para as políticas é a questão da empregabilidade. Não necessariamente ela é uma política estadual, é uma lei federal 8.213/1991 [Lei Federal nº 8.213/1991, conhecida como a Lei de Cotas para PCDs], que traz a empregabilidade através das cotas para as pessoas com deficiência. Sem essa lei seria muito difícil a pessoa com deficiência estar no mercado de trabalho.
ESTRUTURA
Mesmo localizada em Salvador, na Avenida Sete de Setembro, ABADEF realiza suporte e representação para pessoas de todo o estado da Bahia, sendo acionados por secretarias de assistência social e conselhos estaduais e municipais para capacitação e consultoria em assuntos relativos à acessibilidade e direitos humanos. No entanto, para além do trabalho externo, a representante diz que a atuação junto as pessoas com deficiência é o mais relevante.
“A ABADEF tem como porta de entrada o serviço social. O serviço social é que faz o acolhimento das pessoas com deficiência e suas famílias que chegam para se associar, para saber sobre os seus direitos, que projetos elas podem estar trabalhando com a gente”, conta a presidente. “A gente faz esse acolhimento das pessoas com deficiência, dando esse suporte psicossocial, para que ela possa ser reintegrada à sociedade, mas, acima de tudo, que ela venha conhecer quais são os seus direitos e os seus deveres numa sociedade que ainda é muito capacitista”, ressalta Silvanete.
Para realizar este trabalho, ABADEF se sustenta através de parcerias para cursos, palestras, prestações de serviços como consultorias e doações. “As doações também são muito importantes, doações físicas e doações jurídicas. E é assim que a gente vai criando e sustentando a entidade que agrega mais de 5 mil pessoas com deficiência no estado da Bahia”, diz.

