O engenheiro civil Rafael Lordelo, 27 anos, é especialista em Estrutura de Concretos e Fundações, área pela qual é apaixonado, mas atualmente atua no departamento de qualidade de uma construtora em Salvador. O emprego foi um desdobramento do estágio que ele iniciou em 2015 e resultado de muito esforço. Apesar de não estar desempenhando exatamente a atividade para qual é especializado Rafael pode se considerar um privilegiado por estar atuando na área em que é formado.
Uma pesquisa nacional divulgada, nesta quarta-feira (29), pela Federação da Indústria do Estado do Ceará (Fiec) com apoio da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), revelou que a Bahia passou de 6ª para a 13ª posição na inserção de pessoas com pós-graduação no mercado de trabalho, na comparação com o último levantamento da instituição, realizado no ano passado.
Confira a pesquisa
O Índice de Inovação dos Estados está na terceira edição e apontou algo que Rafael já sabia: que está cada vez mais difícil conseguir uma colocação no mercado, mesmo para quem tem mestrado ou doutorado.
“Fiz essa especialização porque é uma coisa que eu gosto. E se um dia eu quiser trabalhar como autônomo será nessa área. Ingressei como estagiário e estou na área até hoje, mas está bem difícil para quem é de fora, para quem não ingressou no mercado na época da faculdade, e para quem não tem experiência. As empresas não estão comportando mais profissionais e as pessoas estão tendo que ser autônomas. O mercado está saturado”, disse.
A pesquisa divulgada ano passado apontava a Bahia como primeira colocada entre os estados do Nordeste na contratação de pessoas com pós-graduação, com destaque para o número de mestres e doutores atuando na indústria de Construção Civil. Mas o jogo virou. O gerente de Produtos de Inteligência Competitiva Elton Freitas, um dos responsáveis pela pesquisa, explicou que o indicador avalia apenas mestres e doutores empregados na indústria e em atividades de Tecnologia da Informação e Comunicação (TICs).
“Um dos principais gargalos no país é justamente a pouca participação desse perfil profissional no setor produtivo, geralmente eles estão na academia. Ter profissionais com pós-graduação no mercado é fundamental para que o conhecimento, muitas vezes preso na academia, transborde para o setor privado”, disse.
Na Bahia, os setores dentro da indústria que possuem maior participação de mestres e doutores são: extração de petróleo e gás natural (4,4%), fabricação de produtos farmoquímicos e farmacêuticos (1,0%) e produtos químicos (0,7%). Em geral, a Bahia avançou duas casas em inovação no último ano, sendo o 14º entres os mais inovadores.
O estudo apontou que em termos de formação de mão de obra houve melhora no estado. O capital humano, que é a avaliação da quantidade e da qualidade de profissionais nas áreas tecnológicas, avançou da 17ª para a 13ª colocação. Porém, o mercado de trabalho não conseguiu acompanhar essa mudança.
Segundo o presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-BA), Wladimir Martins, algumas mudanças recentes no mercado contribuíram, no que diz respeito às exigências em termos de escolaridade. "Eu diria que houve uma flexibilização e priorização de mão de obra técnica em alguns setores, com abertura do mercado para os que tem curso técnico, então o perfil de busca foi alterado".
Para ele, o "pós-cenário de pandemia" também levou ao achatamento de salários, devido à maior quantidade de mão de obra disponível. A redução de postos de trabalho e a redistribuição estrutural em termos de posições também se adequaram aos custos que as empresas podem ter no momento.
"O cenário trouxe uma situação complexa, um período grande sem produção, o que onerou os custos e obrigou ambientes organizacionais a fazerem uma reestruturação em termos de posições. As posições se reduziram e agora, em muitos casos, tem uma pessoa fazendo a função de duas, por exemplo".
Impacto
Para o pró-reitor de Ensino de Pós-Graduação (Propg) e de Pesquisa, Criação e Inovação (Propci) da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Sérgio Ferreira, dois fatores pesaram nessa equação: a pandemia e o fechamento da Ford. A montadora era responsável por 12 mil empregos diretos e mais 60 mil postos de trabalho indiretos no estado, e entre os profissionais que atuavam na empresa estavam mestres e doutores de diversos campos da indústria.
“Muitos de nossos alunos de mestrado e doutorado atuavam na Ford e nas diversas empresas que estavam ligadas a ela e foram impactados pelo fechamento. Além disso, a recessão financeira provocada pela pandemia atingiu as faculdades privadas e muitos alunos das engenharias, química, física, matemática, saúde e outras mais que eram absorvidos por essas instituições perderam os empregos”, disse.
A pesquisa da Fiec ainda não avaliou os efeitos da pandemia no setor, e não contabiliza as atividades de docência. Outro fator apontado por especialistas foi a redução das atividades da Petrobrás que está fechando postos em diversas cidades baianas.
Procurada, a Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb) não comentou a pesquisa.
Crise acontece também em outras áreas
A pesquisa do Observatório da Indústria se debruçou sobre as profissões voltadas para esse segmento, mas estudantes de outras áreas também relataram dificuldades para se inserir no mercado baiano.
Em 2020, eram 2.916 bolsistas de pós-graduação na Bahia, segundo os dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). O levantamento mais recente da instituição sobre as titulações é de 2019 e aponta que 2.756 estudantes de diversas áreas se tornaram mestres e outros 780 doutores naquele ano.
A pesquisa da Fiec é desenvolvida por economistas, cientista de dados e engenheiros, utiliza dados públicos para a análise de dois indicadores. Na dimensão Capacidades, são observados Investimento Público em C&T, Capital Humano (Graduação e Pós-Graduação); Inserção de mestres e doutores na Indústria, Instituições, Infraestrutura e Cooperação.
Já na dimensão resultados, são analisados a competitividade global do estado, o nível de intensidade tecnológica da produção, a propriedade intelectual, produção científica e empreendedorismo. O estudo será disponibilizado para gestores públicos e para a sociedade civil com o propósito de identificar os principais gargalos e oportunidades relacionados à inovação.