O fim de 2020 está chegando, mas não do jeito que se pretendia. As festas de Natal e Réveillon se aproximam e os casos de coronavírus vêm aumentando na Bahia, sem que se tenha uma vacina disponível para a população. E, de acordo com o secretário estadual de saúde da Bahia, Fábio Vilas-Boas, em entrevista ao CORREIO, a previsão é de um cenário ainda pior para o início de 2021, justamente por conta dos festejos. Confira:
A Bahia está na segunda onda da covid-19?
Não há nenhuma dúvida de que estamos em uma segunda onda. Essa questão é disputada conceitualmente por alguns, mas do ponto de vista epidemiológico, não interessa. O fato é que estamos vivendo um momento de aceleração da transmissão, da internação e do número de mortes. O fato é que está acontecendo e demanda medidas excepcionais de restrição, de ampliação de leitos e de tentativas da diminuição da transmissão através do distanciamento social. Tenho uma lamentável convicção que vai haver uma piora com o Natal e o Réveillon. Isso vai se expressar 15 dias depois, com o aumento da taxa de contágio, e um mês depois, com o aumento do número de óbitos. É inevitável. Muitas pessoas não vão deixar de visitar seus parentes, não vão deixar de fazer festas particulares. Muitas pessoas vão visitar sua vovozinha, sua tia, sua mãe, e vão, infelizmente, levar a doença. E elas irão morrer um mês depois.
O estado pode ter a vacina já em janeiro? Do que depende a definição de um prazo?
Depende exclusivamente da Anvisa autorizar o uso emergencial das vacinas. A partir do momento que houver a autorização e que as vacinas chegarem ao país, nós temos a condição de montar a distribuição dentro de uma semana e iniciar. O problema é que nós só teremos no país as vacinas do Butantan, que já estão sendo envasadas, e a vacina russa Sputnik V, que será produzida no país a partir do dia 5 de janeiro. Só teremos essas duas vacinas para uso imediato assim que for feita a aprovação regulatória. As demais dependem de produção externa e importação para serem distribuídas. Existe um cronograma de quantidades de cada um dos fornecedores, que começarão a ser enviadas ao país a partir do mês de janeiro.
Quando teremos toda a população baiana vacinada? Como será a divisão por fases?
O tempo para cada fase na Bahia é o mesmo do Brasil, um mês para cada uma das etapas, cada uma com sua população específica. A única diferença é que nós teremos aqui a possibilidade de comprar a vacina Sputnik V. O governador Rui Costa afirmou que comprará uma quantidade suplementar de vacinas para imunizar as pessoas de maneira mais ampla e mais rápida. Nós temos um acordo de acesso prioritário para até 50 milhões de doses. Quando ela começar a ser distribuída no país, se houver excedente que puder ser comercializado, nós iremos adquiri-las, assim como o Consórcio Nordeste.
Qual o plano para a logística de distribuição da vacina?
Elas se dariam pelas secretarias municipais de saúde. Nós temos 30 centros regionais em nossa cadeia de frio, que é uma rede de salas climatizadas com ar-condicionados ligados no gerador 24 horas. As câmaras de armazenamento das vacinas possuem baterias e conexão à internet, ou seja, se faltar energia, o responsável recebe uma mensagem avisando. Essa rede existe em 30 centros nossos, e temos também 417 salas municipais. Nós temos uma rede que a temperatura fica mantida entre dois e oito graus; isso é um patrimônio, investimento que foi feito nos últimos anos. Também compramos freezers, os ultracongeladores, que ficarão em cada uma dessas salas.
Quais os cuidados que devem ser mantidos mesmo após o início da vacinação, já que ela não chegará para todos de uma só vez?
A previsão é que sejam quatro meses de vacinação dos profissionais de saúde que estão na linha de frente, dos mais idosos e dos mais frágeis e vulneráveis. Depois desses meses, começamos a vacinação das outras pessoas, que basicamente são as que têm menos de 60 anos e não possuem comorbidades. A vacinação desse grupo deverá ocorrer apenas em junho ou julho. Até lá, temos que manter todas as medidas de proteção. Ninguém está livre do risco, estamos vendo pessoas saudáveis morrerem. Precisamos manter todas as medidas de proteção até termos nossa população toda vacinada. O fato das pessoas com mais risco estarem vacinadas não significa que pessoas com menos risco vão deixar de morrer.
Quem mora com pessoas do grupo de risco também terá prioridade?
Olha, eu até entendo que elas deveriam ser prioridade, mas operacionalmente ficaria complicado estender isso. Imagine, uma pessoa que tem uma doença pulmonar apresenta uma receita. Como você vai provar que as pessoas que moram com ela realmente moram? Aí vai acabar aparecendo um monte de gente dizendo que mora com pessoas com comorbidades para ganhar a vacina antes dos outros. Operacionalmente, não dá.
Há uma preocupação com os negacionistas da vacina? Qual o risco que esse grupo representa para a população de um modo geral?
Eu não acredito que para a covid-19 esse grupo tenha qualquer relevância em termos de reduzir a cobertura vacinal. Em outras doenças epidêmicas, como gripe, não houve essa resistência. Esses grupos focam em doenças que eles acham que não existem mais, como a poliomielite. Outro exemplo é o sarampo, que a gente não vê mais pessoas morrendo. Esses grupos são focados em doenças que eles não veem e acham que não existem, daí encontram terreno fértil para disseminar suas ideias. Em relação à covid-19, como a doença está viva, as pessoas estão vendo as outras sofrerem e morrerem, eles não encontrarão eco para suas ideias absurdas.