Tomar apenas uma dose da vacina contra a covid-19 não é recomendado e nem sensato. O alerta vem de especialistas preocupados com a situação brasileira de atraso na vacinação. De acordo com dados científicos, só quando 70% da população inteira do país tomar as duas doses é que será possível frear o avanço da covid-19 e reduzir a circulação do coronavírus.
Quem toma apenas uma dose da vacina corre o risco de não ter a imunidade completa para casos graves e, por isso, não entra na categoria dos 70% de brasileiros imunizados. É por isso que pode acontecer de uma pessoa que tomou apenas uma dose da vacina ser infectada pelo vírus e até morrer.
“A vacina foi mostrada com eficiência de 100% de cobertura de casos graves com duas doses e após mais 14 dias. Essa é a dita imunidade completa, que não livra do vírus e sim de casos graves. Se não completar o processo de imunização, não há garantia de que a dose recebida vai responder com o mesmo percentual de segurança”, explica Adielma Nizarala, médica infectologista da Secretaria Municipal da Saúde de Salvador (SMS).
Os dois imunizantes que estão sendo aplicados no país são o CoronaVac, desenvolvido pela farmacêutica chinesa SinoVac e produzido no Brasil pelo Instituto Butantan, e a da AstraZeneca, envasado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Cada um possui intervalo diferente entre a primeira e a segunda dose: 14 a 28 dias para a CoronaVac e três meses para a AstraZeneca.
“Tem outras vacinas aplicadas fora do Brasil que tem apenas uma dose só, mas esse não é nosso caso”, lembra o infectologista e professor da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Claudilson Bastos. O especialista também concorda que é necessário que seja observada a aplicação de duas doses.
“A eficácia da vacina na primeira dose não é alta. Dependendo do tipo, varia de 50% a 70% com apenas a primeira etapa. Com o reforço, a segurança aumenta consideravelmente. Os riscos de ter covid grave, em estado crítico, que precisa de hospitalização, diminui. E é essa a função da vacina, evitar mortes”, diz.
E isso já está sendo observado nos números da pandemia. Um levantamento feito pela Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) mostra que, até o dia 24 de abril deste ano, 99,9% dos cerca de 2,2 milhões de vacinados contra a covid não contraíram a doença ou, se infectados, não precisaram de hospitalização.
Apenas 382 pacientes imunizados chegaram ao ponto de serem internados, o que representa 2,14% das 17.786 notificações de internações por covid ocorridas em 2021. Dos 382 pacientes, 281 tinham tomado somente a primeira dose e 99 também a segunda. Em apenas duas notificações não constavam a informação de quantas doses tinham sido aplicadas.
Demora
Atualmente, a prefeitura de Salvador vive um momento complicado na sua etapa de vacinação, pois as doses da CoronaVac disponíveis são suficientes apenas até esta quinta-feira (29). Segundo o Instituto Butantan, um novo lote só estará disponível a partir da próxima semana. Isso significa que as pessoas que precisam tomar a segunda dose nesse final de semana vão ter que atrasar a data de aplicação da vacina.
Mas Adielma Nizarala não vê isso como motivo de pânico. “O problema mesmo é deixar de completar a imunização, deixar de tomar a segunda dose. Se passar alguns dias do prazo estabelecido pelo fabricante, não acontece nada. Não tem nenhum estudo que mostre que vai trazer algum maleficio esse atraso. Baseado no ritual de outras vacinas, a gente consegue perceber que não há problema”, diz.
O infectologista Claudilson concorda. “Não é o ideal. O correto é tomar no prazo correto. Eventualmente, se passar um tempo, o que não deve acontecer, tem que tomar de qualquer jeito e o mais rápido possível”, explica. Em Salvador, atualmente, 16.231 pessoas estão habilitadas para receber a segunda dose e ainda não compareceram aos postos de vacinação, segundo a SMS. Na Bahia, na última quinta-feira (22), eram 21.628 pessoas que não foram tomar a segunda dose da vacina, segundo a Sesab, que não enviou os números atualizados até o fechamento do texto.
Já o professor Celso Sant'Anna, médico imunologista e docente da Rede UniFTC, é mais crítico. Ele explica que a demora prolongada poderia causar até mesmo uma nova forma do coronavírus, mais resistente aos imunizantes e, consequentemente, mais perigosa à população.
"As consequências das pessoas não receberem as duas doses são trágicas. As vacinas foram programadas para serem aplicadas em duas doses, sendo aplicada uma só, não garante coisa nenhuma. A pessoa vacinada apenas com uma dose pode, inclusive, ser transmissora de uma forma de vírus mais forte e mais resistente. Caso haja um grande atraso, minha orientação é que se reinicie o processo de imunização do início, ou seja, mais duas doses", sustenta
A infectologista Fernanda Grassi, da Rede Covida, também defende que a vacinação seja feita de forma completa, com duas doses aplicadas no intervalo de tempo estipulado pelos fabricantes. "Ainda não sabemos o tempo exato que é aceitável um atraso. A CoronaVac tem uma melhor eficácia quando a segunda dose é aplicada 28 dias após a primeira. Podemos imaginar que uma ou duas semanas não tenha efeitos tão grandes, mas mais que isso, não podemos garantir que a segunda resposta será ótima", finaliza.
O MInistério da Saúde, por sua vez, afirmou que a população deve tomar a segunda dose da vacina mesmo que a aplicação ocorra fora do prazo recomendado pelo laboratório. “Essa é a orientação do Ministério da Saúde, que reforça a importância de se completar o esquema vacinal para assegurar a proteção adequada contra a doença”, disseram. A Sesab também foi procurada para se manifestar sobre o assunto, mas não retornou até o fechamento do texto.