O último ano foi certamente o mais complicado da curta vida de Isabela Cerqueira, 4 anos. Diagnosticada com neuroblastoma, um tipo de câncer raro que estava no nível 4, o mais avançado da doença, ela precisava de um transplante de medula óssea para buscar sua cura. Veio a primeira barreira: nenhum hospital público da Bahia realizava o procedimento em crianças com idade inferior a 14 anos.
Com uma grande mobilização de profissionais, a menina, ainda tão nova, entrou para a história e se tornou a primeira paciente que passou pelo procedimento através do Sistema Único de Saúde (SUS) em território baiano e, agora, vê suas chances de sobreviver decolarem. O procedimento foi feito no Hospital Martagão Gesteira, que também se tornou a primeira unidade pública do estado a fazer o transplante em uma criança tão nova.
Após a cirurgia, a pequena foi encaminhada para uma casa de apoio, onde foi monitorada pela equipe médica da instituição. Nesta terça-feira (27), mais uma vitória: ela teve alta e reagiu bem a todo processo.
A alta é considerada pela equipe médica do Martagão e pelas autoridades de saúde pública como um momento histórico para o atendimento pediátrico pelo SUS no estado. Para a família de Isabela, a data ficará marcada como o dia do milagre da vida da menina.
Em êxtase, o pai de Isabela, o lavrador Rubem Cerqueira, 57, ficou emocionado ao falar da filha. “É difícil ter palavras, viu. Hoje é o começo de uma vida com mais qualidade para a minha filha. Estou feliz de uma forma que não sei se consigo explicar, não cabe no peito tanta alegria que sentimos agora. A doença dela foi um baque para nós, mas, com a ajuda que recebemos do hospital, tudo isso passou. Daqui pra frente, só esperamos melhora”, afirmou Rubem, que é lavrador em Licurituba, comunidade rural próxima à Serrinha.
Sem condições financeiras para pagar um transplante para a filha na rede privada, através de planos de saúde, ele também fez um agradecimentos aos médicos. “É impossível pensar em uma situação em que a gente pudesse custear esse transplante pra ela. Não temos condições para isso por conta da minha renda que é apenas de um salário mínimo. Por isso, seremos eternamente gratos aos responsáveis por cuidar da minha filha dessa forma”, concluiu.
O acontecimento traz também esperança para quem trava batalhas semelhantes à de Isabela. Isso porque o Martagão anunciou hoje que passará a disponibilizar o serviço para toda a população baiana.
O encaminhamento de pacientes será feito através do serviço social da cidade do paciente. A unidade enviará os relatórios dos pacientes, que passarão por consulta com a equipe médica do hospital para verificar se há ou não indicação para o transplante. Havendo necessidade do procedimento, a pessoa entrará na fila que será organizada pelo grau de gravidade e complexidade da patologia apresentada.
Para quem mais precisa
Assim como Isabela, existem centenas de pacientes de baixa renda que não podem arcar com os custos de um transplante de forma particular. Segundo dados do Martagão, atualmente mais de 100 crianças aguardam para passar pelo procedimento na rede pública de saúde no estado. E é justamente para essas pessoas que as atividades do local serão destinadas. Hoje, cerca de 50% das crianças atendidas no Martagão são de famílias com renda equivalente a um salário mínimo ou menos.
As notícias para essas pessoas são boas. Segundo Natália Borges, oncopediatra do Martagão, especialista em transplante de medula óssea, o serviço está oficialmente em funcionamento.
Inicialmente, o hospital realizará o procedimento em dois pacientes por mês, número que pode ser ampliado. “Atualmente, temos dois leitos, então a nossa capacidade, hoje, é de realizar dois transplantes por mês, mas isso pode aumentar dependendo da demanda apresentada e do crescimento da equipe destinada para transplante e do aparato técnico que temos à disposição”, explicou.
A oncopediatra também falou sobre a existência de critérios de prioridade para o atendimento dos pacientes. Em resumo, crianças com doenças mais graves terão acesso ao serviço antes. “Há uma avaliação de prioridade na organização da fila para transplante. Existem algumas patologias que a gente precisa antecipar como, por exemplo, os linfomas. Eles precisam passar na frente porque são patologias que precisam de um tempo mais curto para coincidir com a etapa certa de quimioterapia. Há uma organização feita a partir dos envios dos relatórios e da gravidade e complexidade da patologia”, afirmou.
No momento, não existe uma fila para o transplante no Martagão, mas sim pacientes que têm indicação para o procedimento. O que há é uma demanda interna, já listada, de 10 pacientes que têm indicação da necessidade do transplante.
Quem já tiver o diagnóstico e a indicação de passar pelo transplante, precisa procurar o serviço social da cidade para fazer o envio dos relatórios do estado de saúde da criança ao Martagão, que serão analisados pela equipe responsável da instituição.
“A fila de transplante vai ser organizada através de um e-mail onde vamos receber esses relatórios e fazer consultas para verificar a necessidade do transplante do paciente”, informa. Para encaminhar os relatórios, os interessados precisam procurar o serviço social e solicitar o encaminhamento dos detalhes para O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo..
Salvador e Bahia comemoram
As maiores autoridades em saúde pública de Salvador e da Bahia comemoraram o feito do Martagão e afirmaram que o procedimento foi um importante passo na história da saúde do estado. O secretário municipal de Saúde, Léo Prates, não esteve presente na coletiva, mas enviou vídeo falando sobre o transplante.
“Hoje é um dia histórico para nossa cidade. Um passo importante para que o Martagão cuide ainda mais das saúde das nossas crianças. O Martagão cumpre com a sua missão social de cuidar das pessoas e a missão de saúde que é realizar um trabalho de excelência para a cidade do Salvador e para todo o estado”, falou.
O secretário de saúde do Estado da Bahia, Fábio Vilas-Boas, corroborou com a fala de Léo e parabenizou o Martagão pelo sucesso na missão de trazer um transplante tão necessário para a Bahia. "Esse é um momento muito importante para a consolidação do sistema de saúde público da Bahia. É motivo de muita felicidade poder enxergar essa instituição galgando mais um patamar na construção de sua referência como um lugar de atendimento pediátrico", declarou.
Já Carlos Emanuel Melo, presidente da Liga Álvaro Bahia Contra a Mortalidade Infantil, entidade mantenedora da instituição, reforçou o compromisso do hospital com os baianos mais necessitados dos serviços de saúde pública.
Carlos destacou que o aspecto social da conquista de um hospital que, ao longo de sua história, trabalhou para levar atendimento de qualidade para os baianos com pouca renda. “Este transplante é um marco histórico por vários motivos. O primeiro deles, porque vai no cerne da missão do Martagão Gesteira de fazer justiça social do ponto de vista humanitário, consegue trazer este procedimento inédito para uma população de baixa renda, excluída do serviço de saúde privado e que depende exclusivamente do SUS. Como em toda a sua história nos últimos 55 anos, o Martagão tem trabalhado sempre em prol daquelas crianças que mais precisam”, disse.