O dia do cadastramento de ambulantes para trabalhar no Carnaval 2023 foi marcado por confusão e longas filas na porta da Secretaria de Ordem Pública (Semop), no bairro do Jardim Santo Inácio, mesmo o procedimento tendo sido realizado exclusivamente de maneira virtual.
A ocupação no local já passa de um mês e é motivada pela descrença no bom funcionamento da plataforma de cadastramento online. Para obter a licença para o retorno da folia, os trabalhadores teriam das 10h desta quarta (08), até às 10h de quinta (09) para realizar o procedimento. No entanto, o sistema parou poucos minutos após a abertura das inscrições.
Revoltados com a situação, os trabalhadores que estavam acampados na porta da Semop deram início a um protesto, que terminou em confusão. "Nos disseram que o sistema abriria às 10h, mas deu 10h30, 10h40, e nada. O povo se revoltou, porque já estamos há vários dias aqui, já sabendo que isso aconteceria. Por isso, não aguentamos, começamos a reclamar, a querer entrar e Guarda Civil agiu, como agiu", descreveu a ambulante Rita de Cássia Silva Melo, 47 anos, ambulante há duas décadas.
No local, agentes do Grupo de Operações Especiais (Goe) da Guarda Civil Municipal (GCM) usaram spray de pimenta e bombas de gás lacrimogêneo contra os trabalhadores. Imagens da ação truculenta foram veiculadas em telejornais locais. Ao chegar na porta Semop, o chefe da CGM, Maurício Lima, foi questionado pela imprensa sobre a abordagem dos guardas civis, e respondeu desconhecer o procedimento e estar no local para negociar.
Em nota, a Guarda Civil Municipal informou que foi acionada para dar apoio aos agentes da Semop, e que, após os ambulantes agirem "bloqueando acessos e vias, ameaçando servidores em atuação na unidade, além de iniciarem uma confusão generalizada, chegando até a depredação do patrimônio", foi necessário o uso da força para contê-los.
"Foi necessário que o efetivo da GCM Salvador, utilizando o uso progressivo da força, fizesse o uso de projétil/ artefato sonoro (sem a utilização de mistura química, que causasse sensações altamente incômodas) para dispersão dos manifestantes", justificou a GCM, em nota.
A Polícia Militar (PM-Ba) também estava presente. De acordo com o batalhão, os policiais foram acionados para atender a ocorrência de um protesto. Com o apoio da Companhia Independente de Policiamento Tático (CIPT) Rondesp Central, realizou a liberação da via e intensificou o policiamento no local.
MPT recomenda cadastramento online
Em novembro do ano passado, o Ministério Público do Trabalho (MPT) enviou à Prefeitura de Salvador uma série de recomendações a serem adotadas para o procedimento de cadastramento dos ambulantes com interesse em trabalhar no Carnaval. Segundo o MPT, a modalidade online foi a melhor avaliada para isto, aliada a outras medidas.
"As medidas incluem [além do] cadastramento online de ambulantes para as festas populares como forma de evitar filas externas, tumulto e exposição da população, além de medidas com oferta de espaços para higiene e alimentação de ambulantes e catadores cadastrados, acolhimento em creches dos filhos dos trabalhadores e remuneração dos catadores", detalhou o órgão fiscalizador.
Em nota, a Secretaria Municipal de Inovação e Tecnologia (Semit) informou que o serviço no site do Sistema de Cadastramento de Ambulantes (SCA) foi temporariamente suspenso por causa do número elevado de acessos simultâneos durante a manhã. A pasta também informou que o serviço seria retomado às 14h e que está trabalhando para normalizar o atendimento online.
"A Semit lamenta o ocorrido e diz que a Companhia de Governança Eletrônica de Salvador (Cogel) está trabalhando para que o problema seja mitigado o mais brevemente possível”, destacou o comunicado.
Para facilitar o acesso dos ambulantes ao site de inscrição, a Prefeitura de Salvador através do Programa Conecta Salvador, disponibilizou 50 pontos de internet gratuitos em locais de grande circulação e em equipamentos da gestão municipal.
Segunda queda
Como informado pela Semit, o serviço no site do Sistema de Cadastramento de Ambulantes (SCA) foi retomado às 14h, mas não durou muito. Segundo relatou a ambulante Tainara dos Santos, 21 anos, três minutos após a retomada das inscrições, o sistema caiu novamente e, até às 16h30 - quando a reportagem deixou a porta da Semop -, permaneceu sem funcionar.
"Estamos tentando desde cedo e até agora não conseguimos, mesmo tendo 10 pessoas também tentando me ajudar em casa", contou a trabalhadora, que mesmo sabendo que o cadastramento é online, preferiu ir para a porta da Semop. "Porque já sabíamos que [o site] não funcionaria. Como todos os anos é a mesma coisa e, no final, eles terminam fazendo presencialmente, cheguei cedo para garantir meu lugar", afirmou.
Assim como ela, outras dezenas de trabalhadores fizeram o mesmo. No local, todos estavam organizados em duas filas, uma normal e outra de prioridade. A primeira chegava à saída da BR. Moisés da Silva Cerqueira, 55 anos, está há uma semana acampando na Semop. Ele também não conseguiu fazer o cadastramento online. Depois de preencher todos os campos exigidos, ao invés de finalizar o cadastro, o site o redirecionava novamente para o início.
"Nossa esperança é que eles abram aqui. São mais de 20 anos trabalhando e nunca passamos tão mal quanto agora", afirmou. O pensamento positivo, no entanto, diminuiu quando, às 16h, os servidores da Semop começaram a deixar a sede do órgão. Para isso, a polícia escoltou a saída dos que estavam a pé e de carro.
Inconformados, os trabalhadores ambulantes começaram a protestar novamente, pois o aviso dado à eles era que o sistema retornaria às 16h, com a oferta de 500 vagas, mas o retorno também não aconteceu. Diante da situação, agentes da Defensoria Pública (DPE-Ba) foram até a Semob.
"A Defensoria entende que há uma situação de vulnerabilidade relacionada aos trabalhadores. E, como temos a missão constitucional de atuar em favor desse público, a equipe foi até a respectiva secretaria", afirmou em nota. Ainda segundo o órgão, será realizada uma reunião com a Semop.
O MPT também informou que, devido ao número expressivo de reclamações por parte dos trabalhadores, que tentaram, mas não tiveram sucesso em realizar o cadastramento online para trabalhar no Carnaval, está colhendo essas informações e vai avaliar posteriormente que medidas devem ser tomadas.
*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo